Espanha. Volta à carga para exigir mais apoio europeu

A proposta de Sánchez é um compromisso entre as ambições do sul e as reservas do norte. Entretanto, a crise económica agrava-se em Espanha.

Pedro Sánchez está bem consciente de que Espanha pode enfrentar uma contração económica “sem precedentes” este ano, devido à pandemia do novo coronavírus. O aviso partiu ontem do Banco de Espanha, que anunciou que a quebra pode chegar a 13,6% do PIB se as medidas de isolamento social forem prolongadas por mais 12 semanas. O primeiro-ministro espanhol parece saber que o seu país dificilmente ultrapassará esta crise sozinho e prepara-se para exigir a Bruxelas um fundo de até 1,5 biliões de euros, financiado por dívida perpétua – ou seja, com juros, mas paga à conveniência do devedor -, acessível aos países consoante os estragos que sofrem com a pandemia, avançou o El País.

A proposta, a que a Moncloa se refere como “grande plano Marshall” – referência à reconstrução da Europa, particularmente da Alemanha, após a ii Guerra Mundial -, pode certamente contar com o apoio de países como Itália e Portugal na cimeira europeia desta quinta-feira. Mas coloca Espanha em rota de colisão com países como a Alemanha ou os Países Baixos, que têm posto um travão aos pedidos de ajuda do sul. 

Contudo, importa salientar que, apesar dos valores envolvidos, esta é uma proposta de compromisso. O que os países do sul querem mesmo são os chamados coronabonds, ou emissão de dívida europeia, com juros mais baixos para os países mais pobres e mais altos para os mais ricos – um tabu para os países do norte, que temem estabelecer esse precedente.

Já o fundo de até 1,5 biliões de euros proposto por Madrid não implicaria alterar as regras europeias – mas teria de passar pelo Parlamento alemão, por exemplo, arriscando causar estragos internos à chanceler Angela Merkel, e podendo ser atrasado pelas instituições judiciais de países-membros da UE.

 

Pobreza e tragédia Enquanto Sánchez se prepara para a sua ofensiva em Bruxelas, Espanha ultrapassou os 200 mil casos registados de covid-19, com mais de 20 mil mortos. À tragédia juntam-se os estragos económicos: o Banco de Espanha prevê um pico na taxa de desemprego até ao final do ano, passando dos 13,6% em fevereiro para os 18,3%, no melhor dos casos – no pior, pode ir até aos 21,7%.

Neste momento, em algumas cidades, como Madrid, a Federação Espanhola de Bancos de Alimentos (Fesbal) já “está a receber 450 chamadas diárias de gente que não tem nada para comer”, avisou recentemente o diretor de comunicação da Fesbal, Ángel Franco, à EFE.

Já mais de um milhão de pessoas dependem destes apoios, pequena parte das cerca de 10 milhões de pessoas que vivem em pobreza em Espanha, segundo dados da Rede Europeia de Luta contra a Pobreza e Exclusão Social (EAPN na sigla inglesa) – e a expetativa é que os números aumentem.

A situação ganha contornos ainda mais trágicos se tivermos em conta que a pobreza é um dos fatores determinantes na probabilidade de contrair o vírus. Está bem estabelecido que as populações mais pobres têm um taxa muito maior de doenças crónicas – um dos principais fatores de risco para a covid-19.

Apesar do congelamento dos despejos em Madrid e Barcelona, muitos estão desprotegidos, como aqueles que subalugam casas por baixo da mesa. Há uma vaga de “despejos invisíveis que não é possível demonstrar legalmente: as pessoas são expulsas de sua casa”, avisou a EAPN. 

Um dos grandes problemas é a falta de literacia digital entre os mais pobres, à medida que os apoios sociais são cada vez mais informatizados. “Há pessoas que não sabem mexer no email e não podem fazer chamadas de telemóvel”, explicou uma dirigente da EAPN à RTVE.