Covid-19, e agora?

Nada será como dantes pelo menos até se conseguir a imunidade perante o vírus e a vacinação generalizada. Ou seja, pelo menos nos próximos um a dois anos é escusado pensar que a vida voltará a ser o que era.

Parece que todos temos a sensação que termina, por estes dias, a primeira fase do combate à pandemia covid-19. Esta agradável sensação, pelo menos para a maioria das pessoas que conheço, é mitigada pelo sentimento de que só se venceu uma batalha mas, a guerra pode ainda não estar ganha. A ser assim, não há pausa para tréguas. O combate tem de continuar com a mesma determinação com que ontem defrontávamos a adversidade e com a mesma entrega com que sofríamos as incomodidades da batalha.

Para planear a próxima batalha será interessante refletir no que correu bem ou menos bem até agora. Abordemos por hoje o menos bom. No meu humilde entendimento não soubemos avaliar o nosso adversário. Eu sei que era a primeira vez que ele se apresentava, que o desconhecimento sobre o seu caráter e sobre o modo de atuar era total mas, o que é certo, é que desvalorizamos os poucos avisos que anunciavam a sua perfidez e a sua eficácia de propagação. Esta primeira perplexidade sobre o inimigo levou-nos a hesitar no caminho a prosseguir e a assumir uma tática de ‘Maria vai com as outras’. Dito de outra forma se todo o mundo já estava a ir por um caminho e se o inimigo era matreiro não valia a pena pensar muito o que era preciso era agir de imediato, tendo em conta um cenário onde o adversário iria ter vantagem pelo menos durante um curto período mas, que nos desse tempo de agrupar as tropas e contra-atacar em seguida.

O cenário mais provável era o do soçobramento do SNS e isso é que era necessário evitar.

Sabia-se que o SNS não seria capaz de suportar uma carga pandémica mesmo que moderada e veio ao de cima o melhor dos portugueses – o improviso, o desenrascanço, o trabalho, a solidariedade, a abnegação e a identidade nacional. Sim o nacionalismo, o ser português de gema foi determinante nesta fase do combate. Mais uma vez fomos capazes de nos superar.

O dinheiro foi aparecendo para comprar ventiladores, monitores, equipamento de proteção individual ou pelo menos para encomendar estes bens e dar um mínimo de segurança e confiança aos combatentes das primeiras linhas.

Morreram pessoas com covid, morreram pessoas sem covid, mais destas do que seria inicialmente espectável e menos daquelas do que pensávamos originalmente. As segundas ainda serão alvo de estudo – medo de ir ao hospital dizem uns e eu não creio, falta de meios para consultas, exames e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, adiamento de cirurgias e consultas dizem outros e eu poderia concordar.

E agora, que futuro vamos ter. Nada será como dantes pelo menos até se conseguir a imunidade perante o vírus e a vacinação generalizada. Ou seja, pelo menos nos próximos um a dois anos é escusado pensar que a vida voltará a ser o que era. Não é semanas nem meses é um ou dois anos.

Haverá necessidade de manter o distanciamento social e logo de adaptar alguns dos nossos hábitos a esta realidade. E não me refiro só aos cumprimentos, aos abraços, ao beijinho carinhoso ou à palmadinha nas costas mas sim, aos restaurantes condicionadas, à inovação necessárias nas artes e espetáculos, ao desporto sem massas de adeptos nos estádios, aos hotéis com regras de utilização com mascaras e desinfeção permanente das instalações, ao comércio com sobrecustos para garantir ambientes sem contaminação ou à higiene e segurança de trabalho remodelada nas empresas face a novos perigos.

Vamos ter de nos habituar a uma nova forma de prestação de cuidados de saúde, mais telemática e mais preventiva, a uma nova relação dos serviços públicos com os cidadãos, mais web e menos presencial, a uma diferente utilização dos transportes, isto é uma autêntica revolução no nosso quotidiano. É o custo de passar de ‘estar em casa’ para ‘ir para a rua’ novamente.

Há anos que venho defendendo a flexibilização de algumas formas de prestação de cuidados de saúde em Portugal. Uma, através da utilização da tecnologia para melhor acesso aos doentes – a teleconsulta ou o teleacompanhamento de doentes crónicos ou de grupos mais vulneráveis. Sem sucesso. O vírus ganhou-me. Agora todos defendem este meio de prestação de cuidados não presenciais. Outro, o da utilização das farmácias como lugar adicional para a relação do doente com profissionais de saúde e com os sistema de saúde. Continuo a batalhar nesta ideia. No dia a dia, ela existe – as pessoas já hoje falam abertamente com os farmacêuticos sobre os seus problemas de saúde e pedem aconselhamento para usar o sistema de saúde. Só os governos é que não são capazes de potenciar esta realidade.

Uma última palavra para a postura do Ministério da Saúde nesta batalha. Nunca fui da área política deste Governo e, há mais de uma dezena de anos que me afastei da vida política e partidária mas, fruto da minha atividade passada conheço o trabalho da atual ministra da Saúde e da atual diretora-geral. Sou daqueles que sem hesitações louva o seu trabalho, compreende as suas dificuldades, reconhece a necessidade de mudar de posição face ao desconhecido – o que parecia certo ontem pode ser errado hoje e não se sabe como será amanhã – e considero que o país tem a sorte de ter hoje, estas pessoas nestas funções. Sugeria somente que não houvesse uma diabolização ou se quiserem uma desvalorização da importância das outras componentes do sistema de saúde – o social e o privado. Se descuraram o primeiro, arriscam-se a ter um sobressalto ainda maior nos tempos vindouros se diabolizaram o segundo podem sentir falta dele quando for mesmo necessário.

Luís Pedroso Lima, Ex-administrador hospitalar