Ensino em situação de crise

No campo do ensino superior, os efeitos desta experiência de ensino à distância abrirão novos horizontes de possibilidades e, desde logo, a experimentação de que a atividade presencial pode ser complementada com um quadro variado de atividades digitais de ensino eletrónico, síncronas e assíncronas, implicando novas oportunidades formativas e de investigação.

Em tempos de crise pandémica e no contexto das nossas sociedades marcadas pela comunicação, mobilidade, velocidade, massificação e consumo, é inevitável refletir sobre o isolamento social (que se quer somente físico), a suspensão da normalidade da vida, a interrupção de atividades. Em situação de confinamento, a comunicação digital intensificou-se em detrimento da mobilidade. Por sua vez, em termos das inúmeras atividades que compõem a vida urbana, o ensino superior, no momento presente, integra aquelas que têm conseguido responder a esta crise. Não se quer aqui defender a ideia de que a universidade prescinde de relações presenciais de ensino e investigação, mas salientar que a adaptação a um regime excecional de lecionação à distância se concretizou velozmente, com adesão ativa e empenhada por parte de docentes e estudantes. 

Existindo um novo regime jurídico do ensino à distância no ensino superior, publicado em 2019, as unidades curriculares que entraram em atividade letiva não presencial não se enquadram nesse regime, constituindo antes uma resposta ágil e bem sucedida, de acordo com a avaliação atual possível, às circunstâncias em que se vive. Ora, como é da ordem natural da experiência, há consequências que advêm daquilo que constitui a nossa situação presente, originando uma transformação das condições nas quais outras experiências terão lugar. Como assinalou o filósofo John Dewey (Experience and Education, 1938), «cada experiência influencia em algum grau as condições objetivas sobre as quais se têm as experiências futuras». Suporta-se o impacto do meio e reorienta-se a conduta em função dessa mudança, sendo as experiências ulteriores de uma qualidade diferente. Ou seja, no campo do ensino superior, os efeitos desta experiência de ensino à distância abrirão novos horizontes de possibilidades e, desde logo, a experimentação de que a atividade presencial pode ser complementada com um quadro variado de atividades digitais de ensino eletrónico, síncronas e assíncronas, implicando novas oportunidades formativas e de investigação.

Porém, as consequências desta crise serão, fatalmente, multiformes e ambivalentes. Nem todos a vivem e padecem do mesmo modo, com a mesma intensidade, com idênticos sentidos. Não se antevê ainda se teremos um mundo mais cooperante e solidário ou mais desagregado e dividido. Se estamos face à emergência de um sentido mais rico da vida em comum, ou a acelerar crises e a acentuar diferenças. Mas cultivemos a ideia que o ensino superior vai saber valorizar-se a partir desta inédita experiência.

*Reitora da Universidade Lusófona do Porto