Magnate dos casinos, principal responsável pela transformação do pequeno território de Macau numa Meca mundial do jogo que ofuscava Las Vegas, Stanley Ho faleceu na passada terça-feira, anunciou uma das suas filhas. Tinha 98 anos.
Chegou a pertencer ao lote restrito dos cem homens mais ricos do mundo – em 2006, a Forbes colocou-o no 84.º lugar do seu ranking, com uma fortuna avaliada em 6,5 mil milhões de dólares. Mas desde 2009 que se encontrava muito fragilizado: uma queda em casa obrigou a uma intervenção cirúrgica à cabeça e atirou-o para uma cadeira de rodas. De então em diante viveu retirado, aparecendo em público em raras ocasiões.
Stanley Ho Hung-Sun nasceu a 25 de novembro de 1921, no seio de uma das mais ricas e influentes de Hong Kong. Já o seu tio-avó, Robert Ho Tung, era um importante empresário e filantropo.
No entanto, a família viu a sua sorte mudar quando o pai de Stanley, tinha este 13 anos, perdeu a fortuna num crash da bolsa e abandonou a mulher e os filhos. Poucos anos depois, Stanley estava a estudar na Universidade de Hong Kong quando rebentou a Segunda Guerra Mundial. Chegou a trabalhar como telefonista para o Exército britânico, mas quando Hong Kong foi tomada pelos japoneses despiu a farda e embarcou com destino a Macau, território neutral.
A guerra coloca perigos, mas também oferece oportunidades, e Stanley soube como aproveitá-las:durante o conflito, ganhou dinheiro a fazer contrabando e a negociar passeios de barco no delta do Rio das Pérolas. Numa entrevista em 2001, declarou: «Macau tratou-me muito bem. Fui para lá com dez dólares no bolso e antes dos 20 anos já era milionário».
Com a base da fortuna constituída, em 1948 casou com a filha de um proeminente advogado de Macau, proprietário de hotéis e de um cinema. As ligações à alta sociedade podem ter dado a Ho vantagem quando em 1962 se candidatou à concessão do jogo em Macau. Obteve o monopólio do lucrativo negócio. Depois, haveria de estender os seus interesses a áreas tão diversas quanto a eletrónica, o imobiliário, os ferries e os restaurantes flutuantes. Mas a principal fonte de receitas foram sempre os hotéis e os casinos, como o Mandarim Oriental ou o Hotel Lisboa, que permanecia aberto 24 horas por dia, 365 dias por ano, para alimentar a pulsão do jogo tão comum no povo chinês. Em Portugal, era o principal acionista do Grupo Estoril-Sol, detentor do Casino Estoril, do Casino Lisboa e do Casino da Póvoa. Significativamente, nunca jogava nos seus casinos:dizia não ter «paciência».
Apesar de pautar a sua postura pela discrição – a entrevista de 2001 foi das poucas que alguma vez concedeu – a enorme fortuna que detinha permitia a Stanley Ho cometer algumas extravagâncias. Por exemplo, oferecer a um museu chinês uma cabeça de cavalo de bronze que tinha sido saqueada pelos franceses no século XIX e que adquiriu pelo equivalente a oito milhões de euros. Também apreciava as comidas mais requintadas e chegou a pagar centenas de milhares de euros por trufas.
O seu gosto pelas danças de salão também era bem conhecido – um dos seus três casamentos foi justamente com uma professora de dança.
Em 2002, o monopólio de quatro décadas sobre o jogo de Macau chegou ao fim, com a entrada da concorrência estrangeira, nomeadamente dos grandes grupos norte-americanos. As mais de duas dezenas de casinos de Ho perderam o protagonismo para os competidores mais modernos. Como resposta, inaugurou em 2007 o Grand Lisboa, um edifício de 48 andares com a forma característica de uma flor de lótus.
Mas nem isso impediu a sua fortuna de contrair abruptamente: quase 90%, devido à crise de 2008. Em 2010, um relatório americano acusava-o de ligações ao crime organizado, nomeadamente de ser conivente com a presença das tríades nas suas salas de jogo. O ano seguinte, 2011, foi o último em que o seu nome constou da famosa lista dos mais ricos.
A roda da fortuna parecia ter girado irremediavelmente. À incapacitante queda em 2009, seguiram-se lutas pelo poder entre os seus descendentes. Stanley Ho teve 17 filhos de três casamentos (que manteve em simultâneo, segundo um antigo costume chinês), mas o mais velho, Robert, morreu num acidente de automóvel em Portugal em 1981.