China, a ameaça do êxito

A China é forte, frágil e tímida. A sua força é a sua fragilidade. Vive hoje a ameaça do êxito. Por isso, Deng Xiaoping conteve declaradamente a exposição externa, anunciando-a para «quando estivesse preparada».  

«Se o governo do Império do Meio seguisse uma política desfavorável, isso causaria pânico financeiro em Roma», advertência de Marco Túlio Cícero aos concidadãos (séc. I a.C)

Só se pode falar sobre a China  em círculo, em flashes, talvez com metáforas ou histórias capazes de interessar  os leitores. Mais  do que noutra qualquer realidade nacional e civilizacional, na China tudo remete para tudo, passado e presente entranham-se.

O grande desafio da China é ser compreendida pelo Ocidente. O nosso verdadeiro problema com a  China é o da compreensão da China. Esta dificuldade é agravada pelo facto de só conhecermos dela pouco mais do que a China da  decadência e a do horror maoísta. Ignoramos mesmo o básico.

Um amigo arguto notou insegurança no discurso do Presidente chinês na sessão de abertura da APN (ainda não o li).  Discurso mais para o exterior do que para  o interior do país, calculo. 

A China é forte, frágil e tímida. A sua força é a sua fragilidade. Vive hoje a ameaça do êxito. Por isso, Deng Xiaoping conteve declaradamente a exposição externa, anunciando-a para «quando estivesse preparada».  

Ora, a geração de líderes de Xi Jiping considerou ter chegado esse momento. E por isso é tão prudente nela. Uma  das razões para o prolongamento do seu mandato terá sido a necessidade de uma figura reconhecível capaz de se relacionar internacionalmente.   

O regime chinês, que vejo como mistura de capitalismo e de modelo imperial (daí a continuidade e eficácia da governação), tem um problema de legitimação, de reconhecimento  internacional.  É este o  único ainda não cumprido dos três  objetivos fundamentais do projeto de ‘rejuvenescimento’ sonhado e decidido desde antes de 1911 pelos grandes intelectuais e líderes chineses. 

E o regime arrastará também – se a pressão do Ocidente obrigar a um  endurecimento, que o povo apoiará –, o problema interno de chegar a um modelo que garantindo a continuidade e a meritocracia governativa  permita uma mais participada  renovação dos dirigentes. No modelo imperial, a sucessão do imperador tinha regras estabelecidas. O governo e a administração efetivos eram de uma burocracia meritocrática, selecionada nas escolas mandarínicas  por exames rigorosos mesmo nos períodos das dinastias ocupantes mongol e manchú. Escolas que, a partir dos Tang, passaram a ser abertas a todas as classes sociais – assim se substituindo uma nobreza de sangue por uma nobreza de mérito. E isso resultou numa realidade social cujas manifestações  nos anos sessenta me surpreenderiam. 

Concluirei este flash no próximo SOL. Deixo por agora um jogo aos leitores:

Têm ideia  da mulher de algum dos ditadores da História?  De Fidel, de Kim Il Sung, do ditador potencial que seria Cunhal? E viram algum deles passear pelo estrangeiro? Com a mulher? Imaginam algum deles a telefonar para… o nosso Presidente da República?  Basta olhar para Xi Jiping para se saber que não há hoje ditadura pessoal na China.