Uma lição digna de uma imperatriz

Mas nem por isso deixa de ser A Cidade Antiga um livro que nos prende e nos cativa. Não nos fala de pedras, é verdade, mas expõe, por assim dizer, as fundações mentais sobre as quais estas assentavam: as crenças, as leis, as tradições e a organização das sociedades da Grécia e de Roma.

Em que pensamos quando pensamos em cidades? Para começar, pensamos provavelmente em construções – aglomerados de construções mais ou menos imponentes. Depois em ruas, avenidas, estradas, praças, bairros. Em comércio e transportes. Mas também em monumentos e espaços verdes.

Pois bem, sobre nada disso nos fala A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges. «A palavra civitas não significava para os romanos o mesmo que para nós a cidade, centro de povoação constituído pela contiguidade de muitos moradores, mas sociedade política independentemente organizada, Estado, numa palavra», explica-nos o tradutor da obra de Coulanges, Fernando de Aguiar.

Nada, pois, de arquitetura ou urbanismo. Mas nem por isso deixa de ser A Cidade Antiga um livro que nos prende e nos cativa. Não nos fala de pedras, é verdade, mas expõe, por assim dizer, as fundações mentais sobre as quais estas assentavam: as crenças, as leis, as tradições e a organização das sociedades da Grécia e de Roma.

Logo para começar, fala-nos da importância da família, a unidade nuclear do mundo antigo, reunida em torno dos lares ou penates, os deuses domésticos ou «deuses encobertos». Em cada casa havia um pequeno altar onde ardia um fogo puro que nunca se podia extinguir. Perto deste, normalmente repousava a figura de um cão, que também era venerada.
«Entre os vivos e os mortos da família apenas existe a distância de alguns passos, tantos quantos separam a casa do túmulo», explica Coulanges. Os restos mortais dos antepassados repousavam dentro do recinto sagrado da propriedade familiar e em certas ocasiões os descendentes «levam-lhes o repasto fúnebre, derramam-lhes leite e vinho, depõem os bolos e as frutas ou queimam para elas as carnes de alguma vítima».

Estranhos hábitos estes de se dar de comer e de beber aos mortos! Mas ao longo do livro encontramos outros não menos curiosos: «O ateniense acredita nos presságios; e o espirro ou o zunido nos ouvidos são o bastante para o afastarem de um empreendimento. Nunca embarca sem haver consultado os auspícios. Antes de casar, o ateniense não deixa de consultar o voo das aves. Acredita em palavras mágicas e, quando doente, coloca amuletos ao pescoço».

Para a guerra, os exércitos levavam sacerdotes encarregados de ler o futuro nas entranhas de animais sacrificados e estátuas dos deuses protetores – e, se lhes apresentava essa oportunidade, raptavam as estátuas dos deuses dos inimigos para os enfraquecer.

Quão longe estamos ainda das conquistas do racionalismo e da filosofia! Mas, como adverte o autor com justeza: «Devemos julgar os antigos de harmonia com as suas e não com as nossas crenças».

E é precisamente nesse aspeto que A Cidade Antiga se revela precioso: ajuda-nos a compreender as crenças dos antigos, a sua maneira de pensar e de agir, e como esta foi moldando a organização da sociedade ao longo dos séculos. Para isso, Coulanges leu todas as fontes, todos os autores da Grécia e de Roma e os seus comentadores, e deles destilou os ensinamentos. O que é ainda mais impressionante é que, nascido em 1830, contava apenas 34 anos quando publicou o livro que o tornou célebre.

A Cidade Antiga não só garantiu a Coulanges a posteridade como lhe valeu um lugar como professor na Sorbonne. O seu prestígio era tão grande que em 1870 o escolheram para ensinar História à última imperatriz de França, Eugénia do Montijo. E é assim que vemos a natureza democrática dos livros. Graças a eles, não é preciso ser rico ou poderoso para ter acesso aos melhores professores: através da leitura, qualquer pessoa pode receber lições dignas de uma imperatriz.

A Fábula
{ William Faulkner } 

Embora se tenha alistado na Força Aérea, Faulkner não chegou a combater na Primeira Guerra Mundial. Mesmo assim, haveria de a transformar na matéria daquele que considerava o seu melhor romance – em que trabalhou durante dez anos e que lhe granjeou os dois mais importantes prémios literários americanos em 1955, o Pulitzer e o National Book Award.

Editora D. Quixote

Preço 18,90€

 

A Torre da Barbela
{ Ruben A. } 

«Longe, lá nas funduras da outra margem, o Lima corria como fio de água contido pelas talas da natureza. Sobressaía na paisagem a imponência da Torre. A sua altura fora do vulgar e a memória espantosa dos feitos mais agigantados dos Barbelas deixavam à imaginação um campo aberto para sonho. […] Mais do que um símbolo, era a síntese aberta e escancarada das glórias e tristezas de uma raça». Oitenta e nove degraus conduzem ao cimo da Torre de Barbela, «a única Torre triangular da Península». Dali, os turistas, embalados pelas invenções do caseiro que lhes serve de guia, podem recuperar do esforço e apreciar os encantos da paisagem. «Do alto daquela Torre, outrora de menagem, estendia-se um país inteiro, seiva virgem de uma nação. Toda a História se abria com a paisagem». Mas, quando o sol se põe e o caseiro dorme, este monumento antiquíssimo ganha vida, e sucessivas gerações de proprietários materializam-se, convivem, divertem-se, apaixonam-se, intrigam. E debatem-se, como qualquer família orgulhosa do seu passado, por manter o seu estatuto e a sua influência. Com soberbas descrições da região do rio Lima e dos seus tesouros naturais e gastronómicos, fazendo uso de uma linguagem saborosa e de uma fina ironia, este extraordinário romance pode ser lido como uma alegoria de Portugal e da sua História: um país com um passado riquíssimo, tentando escapar à irrelevância no mundo moderno.

Editora Livros do Brasil

Preço 8,80