EDP: Investigação a ferro e fogo

MP quer Mexia e Manso Neto suspensos, proibidos de sair do país e de entrar nas instalações da EDP e obrigados ao pagamento de uma caução. Elétrica lembra que em causa está apenas uma proposta. Carlos Alexandre decide em breve.

O caso EDP, relativo às rendas excessivas – e no âmbito do qual ontem o MP pediu a suspensão de funções de António Mexia e Manso Neto – está cada vez mais complexo. A investigação, que agora se estende à indicação de Artur Trindade para o operador de mercado ibérico de eletricidade (OMIP), estará inclusivamente a ponderar chamar o atual secretário de Estado da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches, à data da indicação secretário de Estado da Energia, e ainda o CEO da REN, Rodrigo Costa.

Recorde-se que recentemente Seguro Sanches admitiu ter transmitido à REN – empresa que juntamente com a EDP tem como atribuição a apresentação formal da proposta com um nome para o cargo – que o seu antecessor «seria uma personalidade com perfil para o cargo». E, de facto, foi o nome do antecessor que acabou por constar na proposta formal – deixando para trás Maria João Claro, que também estava na mira da REN.

«Antes [da apresentação da proposta formal] a única empresa que abordou o tema foi apenas a REN a quem foi transmitido que o Dr. Artur Trindade (que depois de ter desempenhado as funções de secretário de Estado da Energia, desempenhava, naquela data, as funções de diretor-geral do regulador de energia – ERSE) seria uma personalidade com perfil para o cargo», explicou ao jornal i esta semana Seguro Sanches.

O atual secretário de Estado Adjunto e da Defesa, à data secretário de Estado da Energia, explicou ainda: «A eleição para o cargo de vice-presidente das sociedades OMIP e OMIE é, nos termos do ‘Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à constituição de um mercado ibérico da energia elétrica’ da responsabilidade dos órgãos societários destas sociedades com o acordo dos Governos de Portugal e Espanha. À data do início do processo de eleição (julho de 2016) as empresas REN e EDP fizeram tal proposta, a qual obteve o acordo prévio dos Governos de Portugal e de Espanha».

 

Rendas excessivas e não só

Neste inquérito investiga-se o processo de introdução dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no setor elétrico – na origem das chamadas rendas excessivas pagas aos produtores de eletricidade. Mas os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto pretendem ainda passar a pente fino a forma como aconteceu a adjudicação da obra da barragem do Baixo Sabor. Além disso, estão a analisar  a contratação do pai de Artur Trindade (que também se chamava Artur Trindade) para a EDP, assim como a designação deste ex-secretário de Estado para a vice-presidência do regulador do mercado ibérico da eletricidade.

Segundo o MP, António Mexia e Manso Neto lesaram os interesses da EDP na adjudicação da obra da barragem do Baixo Sabor ao consórcio liderado pelo Grupo Lena e pela Odebrecht Portugal (antiga Bento Pedroso construções). É que, além do preço da obra, terão sido pagos 13 milhões de euros pela EDP por alegados trabalhos a mais. E é aqui que entra a indiciação de ambos por participação económica em negócio, com o MP a considerar que os dois arguidos já sabiam que o valor da obra ia ser muito superior ao que ficara estipulado em contrato.

E nada disto aconteceu longe da ação e da intervenção governativa, defende ainda o MP, dando destaque à alegada interferência do ex-ministro Manuel Pinho, que chegara mesmo a receber responsáveis do Grupo Lena no período que antecedeu a decisão relativa à adjudicação da obra. São ainda feitas referências a reuniões entre a assessora de Pinho e dois responsáveis da Odebrecht Portugal, entre fevereiro e abril de 2008, – encontros que para o MP fundamentam a tese de que tudo estava a ser combinado para que estas duas empresas vencessem o concurso.

 

Tese do MP colocada em causa

António Pereira, um dos responsáveis da Odebrecht Portugal que à data esteve presente nas reuniões, garantiu ao SOL que estas nada tinham a ver com a barragem do Baixo Sabor e que ele próprio nunca teve esse dossiê: «Em 2006, 2007, entre outras decisões estratégicas, a Odebrecht Portugal tomou uma que foi a de entrar no imobiliário, nomeadamente nos resorts. Foram avaliadas diferentes oportunidades e, em setembro, outubro de 2007, avançou com um contrato-promessa de compra e venda de um conjunto de terrenos no Algarve, no concelho de Vila Real de Santo António, do lado do resort que existe hoje – o Monte Rei. Como eu estava na área de investimentos, começámos a trabalhar no sentido de obter as autorizações, os licenciamentos que permitissem essa construção. Seria um dos maiores projetos da empresa em Portugal. E solicitámos um conjunto de reuniões institucionais para apresentar a Odebrecht, o que estava a fazer a nível global e o que estava a fazer com este projeto».

Assegura ainda ter sentido nessas reuniões em que esteve, que a Odebrecht Portugal, então Bento Pedroso, era desconhecida dos governantes à época: «Sempre fomos uma empresa a meu ver de baixo perfil, sem grande mediatismo em Portugal, e havia essa necessidade». E confirma que na reunião no Ministério da Economia estiveram Francisca Pacheco, assessora de Manuel Pinho, que tinha a pasta dos Projetos de Interesse Nacional (PIN), e Mário Gavíria, outro responsável da Odebrecht Portugal. O projeto nunca conseguiu a classificação PIN.

A Bento Pedroso Construções – juntamente com o Grupo Lena – integrava o Consórcio Elos, o mesmo que venceu o concurso para a construção do troço do TGV Poceirão-Caia. As suspeitas sobre este consórcio e estas adjudicações também surgiram na Operação Marquês (em Portugal) e na Operação Lava Jato (no Brasil).

 

Diligências dos últimos dias

Esta semana foram ao Tribunal Central de Instrução Criminal António Mexia, Manso Neto e  João Conceição, administrador da REN. Este último foi o único que não pediu o afastamento de Carlos Alexandre.

O CEO da EDP foi o primeiro a ser chamado. Apresentou um novo requerimento a pedir o afastamento do juiz Carlos Alexandre e não respondeu a qualquer questão, apesar de ter estado várias horas dentro do tribunal na última terça-feira. O tempo que lá passou dentro, sabe o SOL, ter-se-á prendido, entre outras coisas, com o facto de nestas circunstâncias o Ministério Público ter de se pronunciar sobre requerimentos desta natureza.

Ao que o SOL apurou, António Mexia foi identificado pouco depois da hora de almoço, tendo aí tomado conhecimento dos factos da investigação. Depois de mais de uma hora a analisar documentação, a defesa do CEO da EDP leu uma declaração na qual dava conta de que se remeteria ao silêncio, justificando tal posição com o facto de estar pendente o pedido de afastamento de Carlos Alexandre. Incidentes que terão agora de ser analisados pela Relação de Lisboa e também pelo Conselho Superior de Magistratura.

À saída, Mexia deixara logo claro que não tinha respondido a qualquer questão do juiz Carlos Alexandre. «O interrogatório de hoje não fazia sentido», disse, acrescentando que é «absolutamente indispensável garantir a imparcialidade para haver justiça».

João Medeiros, que representa Mexia, também explicou que a defesa esteve a cumprir formalismos durante a tarde. «Estivemos a verificar os factos, a cumprir as formalidades e a obrigação enquanto arguido», afirmou, reforçando a ideia de que não fazia sentido a realização do interrogatório naquele dia.

Na quarta-feira, foi a vez de Manso Neto, também defendido por João Medeiros, ir a tribunal, tendo repetido os argumentos para se remeter ao silêncio.

Já João Conceição, defendido pelo advogado Rui Patrício, optou por responder a todas as questões de Carlos Alexandre, na última quinta-feira.

Este processo conta para já com cinco arguidos: António Mexia, João Manso Neto, CEO da EDP Renováveis, o ex-ministro Manuel Pinho, o administrador da REN João Conceição e Pedro Furtado, responsável de regulação na REN.