A China à procura de um outro modelo político

Na miséria daquela época, Pearl Buck soube descobrir a China de sempre.

Nunca li Pearl Buck, cujos livros sobre a China tiveram audiência popular nos anos da minha juventude. Pelo que me diziam, ela era uma ‘espécie de Guilherme Valente’ (com talento), que contava uma China idealizada só existente na sua imaginação.

Nasceu nos EUA, filha de pais missionários presbiterianos, viveu na China, ensinou em universidades, ficou com uma profunda ligação que manteve mesmo quando regressou definitivamente ao seu país, em 1934.

Entre outras iniciativas, criou uma fundação para o acolhimento de crianças asiáticas. E esses laços mantiveram-se sempre tão fortes que fez questão de que a inscrição no seu túmulo fosse escrita em carateres chineses.

Tendo em conta o período da decadência, de miséria, exploração e humilhação indescritíveis em que ali vivera, imaginei uma Pearl Buck piedosa e chorosa mas absolutamente confundida quanto à realidade civilizacional chinesa milenar.

Mas eis que acabo de receber de um amigo o registo de uma observação sua que, bem pelo contrário, revela uma compreensão surpreendente da natureza e da história daquela civilização, e da resiliência das suas gentes. Na miséria daquela época, Pearl Buck soube descobrir a China de sempre, que permanecia; a mesma China que viria a sobreviver no deserto maoista, indestrutível – como diria cinquenta anos depois, profeticamente, o padre Joaquim Guerra. Uma China poderosa mas sem ressentimento, que é a marca da sua história e tradição.

Diria mesmo que essa observação de Pearl Buck surge como premonitória para um futuro de paz e progresso, de continuidade da experiência humana:

«Quando a moderna democracia chinesa se desenvolver, será à sua maneira, e não à americana, mas nem por isso deixará de conter em si as oportunidades de vida, liberdade e felicidade ansiadas por todos os povos» –  escreveu em 1948!

Os leitores estão sentados? Não acreditam em esoterismos? Então leiam:

«Criar um sistema democrático mais concreto, superior ao dos países capitalistas ocidentais» – disse Deng Xiaoping em agosto de… 1980! (O termo ‘capitalistas’ é que estará a mais, pois Deng também proclamou que «enriquecer é glorioso!»…).

Julgo ficar provado ser possível o ‘saber’ quando queremos de facto conhecer, observar com objetividade, vencer o preconceito, o ressentimento.

E quando se permitirá à China seguir o seu caminho interno, no ritmo que só aos chineses cumpre determinar?

O cerco permanente à China, que se traduz – na prática – numa barragem à ambição legítima dos chineses a uma vida melhor, promove o reforço das facções nacionalistas activas no regime, debilitando as forças que as contêm e empurrando o Governo para um endurecimento autoritário que o povo apoiará.

Ou julgarão os nossos iluminados comentadores que oposição, divergências, tendências, debate ideológico e ambições pessoais só há no Governo de António Costa, no PS e em Portugal?*

*Leia-se A China 3.0, Gradiva/F. Gulbenkian