“É de facto um crescimento estável, mas é um crescimento”

Ricardo Mexia considera que, apesar de o crescimento não ser rápido, há muitos casos para controlar e poucos meios.

Número de novos casos, RT, internamentos, letalidade. Na análise feita no final do conselho de ministros, um dia depois da reunião no Infarmed, o primeiro-ministro sublinhou, indicador a indicador, que a tendência é de estabilidade.

O RT nacional é agora de 1,08, quando no início do desconfinamento era de 0.97. Mantém-se um patamar de 300 novos casos por dia e António Costa sublinhou a importância de relacionar o número de casos com o número de testes, reforçando também a estabilidade desse rácio. “No dia em que iniciámos o desconfinamento tínhamos 11% de casos positivos e hoje estamos com 4,8%”, disse, garantindo que o número de testes por semana (98 mil) é superior à média do período de confinamento (77mil). Nos internamentos, depois de uma descida até 7 de junho, tornaram a aumentar para o patamar de 400, onde se têm também mantido estáveis, frisou o primeiro-ministro, que no final do briefing aos jornalistas sublinharia a ideia inicial: era expectável que, com o desconfinamento, houvesse um aumento do risco de transmissão do vírus, mas não se verifica um crescimento explosivo – não obstante persistirem ainda dúvidas sobre o que explica uma situação epidemiológica diferente em Lisboa, defendeu. Costa sublinhou também que Portugal regista neste momento das mais baixas taxas de letalidade dos países da UE, 3,2%. Garantiu transparência nos dados e também que o país não testa menos para ficar melhor na fotografia internacional.

Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, a ideia de uma estabilidade nos indicadores, com a qual concorda, não deve fazer desvalorizar a atual situação epidemiológica. “Tanto quanto pode ser um crescimento de 300 casos por dia considerado estável, é de facto um crescimento estável, mas é um crescimento”, sublinhou ao i o médico. “Não temos um R muito elevado, quer dizer que não temos uma progressão da doença de forma rápida, mas temos um volume importante de casos. Não é um volume que tenha causado rutura no nosso serviço de saúde mas vários hospitais têm tido dificuldade em lidar com os casos, veja-se Loures e Amadora-Sintra. Circunstancialmente os casos têm sido em pessoas mais jovens, carecem menos de internamento e de cuidados mais diferenciados e têm mortalidade mais baixa.”

Se nas últimas duas semanas houve um aumento de surtos, que António Costa considerou pontuais, Ricardo Mexia admite que a maior preocupação é com a transmissão comunitária, em que não é possível identificar onde é que as pessoas contraíram a infeção. "Se houver uma intervenção rápida, os surtos podem ser controlados. A transmissão comunitária é mais difícil de controlar". Esta semana, o diretor do serviço de infecciologia do Curry Cabral admitiu ao i que no seu serviço pelo menos metade dos doentes estão nesta situação. Ricardo Mexia lamenta que não existam mais dados públicos e atualizados sobre estas ligações epidemiológicas, cadeias de transmissão ativa e casos de transmissão comunitária, o que permitiria uma análise mais sólida da situação atual. “Se as coisas fossem transparentes, toda a gente tinha os mesmos dados. Infelizmente já percebemos que há aqui uma preocupação mais com a narrativa do que com a informação. Podemos perder mais tempo a discutir se os outros fazem mais ou menos testes, o que é facto é que nós temos os casos. Preocupar-me-ia mais em intervir sobre essas situações do que a tentar justificá-las.”

Para a associação, o reforço das equipas de saúde pública é ainda insuficiente e peca por tardio, exemplificando que estão a ser pedidos voluntários para os próximos fins de semana. “Interrogo-me se em Santa Maria, no Hospital de Faro ou Nordeste Transmontano também mandam emails a perguntar se as pessoas vão lá fazer voluntariado. Não percebo por que não se contrata pessoas e não se lhes paga e por que motivo não se pensou nisto há mais tempo. Em março todos os países estavam impreparados. Três meses depois, não se compreende”, diz o médico, que considera insuficiente o reforço de 700 mil euros anunciado para a saúde pública. "Tenho dificuldade em perceber a estratégia ou ausência dela, se vamos remendando, é natural que as coisas não corram bem", conclui.

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