O jovem era demasiado previsível para desaparecer nem que fosse um par de horas sem levantar suspeitas. Vinha de uma família humilde algarvia, em que os homens faziam biscates e as mulheres limpezas, e para quem um salário regular era um milagre dependente dos caprichos do turismo. Para escapar a esse ciclo fatal, Diogo Gonçalves agarrou-se à vida com firmeza. Em Albufeira, onde nascera, terminou o liceu, cumprido com o empenho de um sacerdócio, e chegou rapidamente aos quadros de um hotel em Lagoa onde mantinha com o trabalho a mesma espécie de relacionamento religioso que o motivara enquanto estudante.
Era o que se podia dizer uma alma trabalhadora, de bom trato, inspirador, de confiança, mas sem atração pelas surpresas que animam a juventude e robustecem um homem para as ciladas do destino. Com quase todos os momentos da sua vida programados, qualquer atraso do jovem informático ao picar de ponto no hotel seria notado.
Para além disso, Diogo já tinha passado por umas tantas desgraças e a sua história dramática criara em seu torno uma muralha protetora de onde era impossível eclipsá-lo sem que soassem de imediato os alarmes de alerta. Aos 17 anos, sofrera de enfiada dois rudes golpes: um AVC deixara o pai em estado vegetativo e a mãe, que se esgadanhara para lhe dar estudos, fora atropelada e lançada para uma sarjeta no caminho para o centro comercial onde fazia limpezas. Morrera abandonada.
O jovem bem podia guardar ressentimentos do mundo, mas olhava o futuro com otimismo. Depois de viver uns tempos na casa de uma tia materna com quem se incompatibilizaria, alugou um quarto na casa dos pais do melhor amigo, em Algoz, concelho de Silves, onde se sentia de novo em família.
A 20 de março de 2020, Diogo estava com 21 anos, cheio de projetos e apaixonado – mas a sorte continuava de costas viradas para ele. Felisbela Canário, a sua senhoria, foi a última pessoa do leque de amigos mais próximos a vê-lo com vida. A mulher regressava a Lisboa, de onde era oriunda, depois de seis anos de trabalho no Algarve. Quando naquela manhã se despediu dele, com o marido, estava longe de imaginar que a sua partida pudesse precipitar o destino do rapaz que ficava a viver sozinho, abrindo a porta a uma odisseia sangrenta. Horas depois, o jovem seria assassinado e o corpo, desmembrado, espalhado por pontos estratégicos da costa algarvia.
Obsessão pelo mistério
O caso que chocou o país seria resolvido em dois tempos. Especulou-se muito sobre as razões e os autores da obra macabra – afinal, não é todos os dias que acontecem coisas assim – e o desfecho seria inesperado. Mas Felisbela tinha uma perceção especial, uma espécie de radar interior: «Teve sempre azar, coitado. Tinha recebido agora a indemnização pela morte da mãe, preparava-se para comprar uma casa, e foi o seu fim. Se ele não tivesse contado nada disto à Maria… Mas estava apaixonado. Aliás, obcecado!»
Maria Davidachwilli trabalhava como segurança no mesmo hotel de Diogo. Ainda não havia completado 20 anos, era magra, alta e ágil, não havendo nela um único traço verdadeiramente ameaçador. Mas ninguém anda com os seus mistérios à flor da pele. Tal como o Diogo, a rapariga tinha objetivos. Vinha também ela de uma família com dificuldades e sabia que a vida não era uma sucessão de acontecimentos agradáveis. Viveu com a mãe, que fazia parte daquele leque de mulheres que andam sempre deprimidas, e mal se recordava do pai, que havia muitos anos deixara a casa e nunca mais voltara.
Para escapar ao mesmo ciclo, a segurança agarrara a vida com genica. Na aparência, a rapariga era calma e passiva – mas a sua fragilidade era enganadora. Praticava artes marciais, alimentava o sonho de entrar na polícia e candidatara-se recentemente à PSP. Uma tatuagem, porém, esse ritual autoflagelador da sociedade civilizada, bastara para não passar nos testes.
Florbela (nome fictício), colega de ambos os jovens e com o dobro de passada de vida, achara até dado momento que conhecia bem esta rapariga cuja principal característica assentava na permanente disponibilidade para ajudar os outros: «Gostava muito dela. Era uma miúda doce e estava sempre pronta para ajudar. Se eu, por qualquer razão, lhe pedia para trocar de turno comigo, oferecia-se logo. Depois, era muito atenciosa com a mãe, que dizia ser uma pessoa muito nervosa. Muitas vezes pediu-me para sair mais cedo para poder jantar com ela».
A mulher que fizera com Maria o curso de segurança na Segurinfo, empresa que presta formação para vigilantes nas várias áreas da segurança privada, desconhecia que as confidências não passam por vezes de manobras bem estudadas para lançar pistas falsas. Era do conhecimento geral que Diogo andava enrabichado pela colega desde que a conhecera, havia um ano, mas Maria mantinha com ele uma relação ambígua.
Florbela acompanhava o desenvolvimento do enleio entre os dois: «A mim, ela sempre me disse que eram apenas amigos. Mas recentemente o Diogo confidenciou-me que ela lhe tinha pedido um tempo porque tinha saído de uma relação complicada com um sujeito que lhe batia. Ela foi alimentando esperanças ao desgraçado do rapaz!».
A vida de um homem, na maioria das vezes, resulta mais do acaso do que das suas decisões. Fábio Costa, o melhor amigo de Diogo e filho da sua senhoria, sabia que o destino deste podia ter sido diferente: «Nós estávamos todos de partida para Lisboa. Eu fui antes dos meus pais, a 16 de março. Como ele tinha recebido uma proposta de emprego melhor, num hotel da cadeia do Sheraton, também em Lisboa, insistimos para que viesse connosco e ficava a morar em nossa casa. Mas ele andava de ideia fixa na Maria e não veio».
Beijo suspeito
Fábio Costa acompanhara o estado de enamoramento do amigo desde o início, sem se intrometer: «Ele fazia tudo para a agradar. Levava-lhe o pequeno-almoço ou o jantar sempre que ela estava de turno, por exemplo. Ela tinha chumbado no curso para a PSP por causa de uma tatuagem e, como queria candidatar-se de novo, andava a remover a tatuagem em Lisboa e ele ia com ela».
Fábio remexe na bagagem da memória. O amigo esperava, com a síndrome do sequestrado agradecido, que a rapariga desse um passo na sua direção: «Estavam sempre juntos como se fossem namorados, mas fisicamente nada se passava entre eles. A Maria dizia-lhe que só queria ser sua amiga, pois namorara com um fuzileiro que lhe batia e ainda não estava preparada para novo envolvimento».
A rapariga, por seu turno, assumia um papel feminino convencional: vivia com uma amiga que tinha um namorado ciumento, por isso não podia convidar ninguém para ir a sua casa. Fábio, que nunca distinguiu nela uma personalidade assustadora, um dia teve de acalmar o amigo quando este pensou ter descoberto a razão para a barreira física que ela colocara até aí entre ambos: «Ele tinha acabado de ver um vídeo dela no Facebook a beijar outra rapariga e ficou com a pulga atrás da orelha. Mas eu disse-lhe que as raparigas muitas vezes beijam as melhores amigas na boca, sem qualquer maldade, e isso não fazia delas lésbicas. Mas aconselhei-o a abrir o jogo com ela».
Herança fatal
Quando em finais de dezembro de 2019 – três anos após a morte da mãe – Diogo chegou finalmente a acordo com a seguradora do responsável pelo acidente fatal, não podia antever que a partilha desta informação fosse aproveitada para fins que iriam colocá-lo num beco sem saída. Maria começou então a construir o seu álibi e saiu do hotel onde trabalhava com Diogo. Quando três meses depois foi obrigada a explicar às autoridades o seu comportamento, invocou, sem êxito, que Diogo a tentara violar. Esquecera, porém, que vivia num mundo totalmente vigiado: é que, nessa altura, intensificou os contactos por telemóvel com o rapaz, o que era altamente suspeito. Na realidade, para levar a cabo os seus projetos, precisava de manter Diogo por perto.
Nessa altura, apesar da decisão intempestiva da colega, Florbela não encontrou nada de anormal na sua atitude. Teria apanhado um susto de morte se acaso conhecesse os devaneios mórbidos que alimentavam a outra: «Disse-me que tinha pedido a transferência de hotel porque estava farta que as pessoas falassem que tinha um caso com o Diogo. E, por outro lado, queria ficar mais perto da mãe que vivia em Portimão. Não estranhei.»
Na verdade, ninguém conhecia a verdadeira história de Maria, que socialmente lidava com a sua sexualidade como um delito. No seu ecossistema sentimental, apenas Mariana Fonseca, uma enfermeira quatro anos mais velha, ocupava um papel exclusivo. O casal juntara os trapos há cerca de um ano, não tinha ainda um pé-de-meia para investir em casa própria, vivendo no apartamento dos pais da enfermeira, em Lagos. Queriam libertar-se.
O que aconteceu a partir deste momento talvez nunca venha a saber-se com exatidão. Mas o interrogatório das duas perante o juiz de instrução serve de contraponto.
Na verdade, Diogo parecera-lhes uma presa fácil. Mariana acabaria por explicar o móbil do crime: «A Maria, um dia, disse-me que tinha um plano para tirar dinheiro a uma pessoa que não tinha pais, mas isso não passava por matá-lo. Só que depois ele deu luta e ela entrou em pânico. A ideia era amarrá-lo e obrigá-lo a dizer o código do cartão de multibanco. Nunca concordei e cheguei a fazer-lhe um ultimato, ameaçando com o fim da nossa relação».
Inspiradas numa série
As duas eram muito jovens e talvez a idade as tenha convencido de que, acontecesse o que acontecesse, iriam sair-se sempre bem. Deambulavam numa sequência paralela à realidade. Na internet, um mundo virtual que cria um relativismo moral, procuraram a melhor fórmula para se livrarem de Diogo sem deixarem rasto. Foi num site pirata que descobriram a série Dexter – um policial americano centrado num assassino em série que trabalha como analista forense na polícia, aproveitando os seus conhecimentos para não deixar pistas que o incriminem – que encontram parte da solução.
Isso mesmo foi contado por Maria, mais tarde, perante um juiz perplexo e revoltado: «Inspirei-me no Dexter e comecei a pensar no desmembramento, em esconder o corpo e o que pudesse identificá-lo. Primeiro pensei tirar-lhe os dentes, por causa do registo dentário, mas como ele ficou com a língua de fora e eu não os conseguia ver, pus de lado a ideia».
Nesse dia 20 de março, uma sexta-feira chuvosa, Felisbela, a mãe de Fábio e senhoria de Diogo, abandonara o Algarve rumo a Lisboa, depois de se despedir do jovem. Já não pensava voltar: embalara roupas e loiças, deixando-lhe apenas o indispensável na casa. Diogo também não pensava ficar lá muito mais tempo: com os 70 mil euros da indemnização que recebera no mês anterior, já andava a ver casa para comprar.
A mulher, com a faculdade de ver as coisas antes de as ver, sentiu algo de anormal: «Ele estava diferente, nervoso. Tinha pedido a um colega para mudar de turno com ele porque a Maria estava de folga. Estava previsto encontrarem-se naquele dia, mas nunca me disse que o encontro era lá em casa. Quando, pelas 15h30, cheguei ao tabuleiro da ponte 25 de Abril, liguei-lhe para o avisar que a viagem tinha corrido bem. Ele, basicamente, despachou-me, o que não era normal. Pensei, para mim, ‘a Maria não lhe ligou e já está azedo’».
A essa hora, Diogo travava uma luta para não adormecer. Sonhara com aquele almoço romântico havia muito. Maria levara sumo de laranja natural para acompanhar a refeição. Na garrafa de plástico, introduzira três ampolas de Diazepam, um ansiolítico e relaxante muscular injetável, frequentemente usado antes das cirurgias para sedar os doentes, que a namorada enfermeira desviara do hospital onde trabalhava. Pela primeira vez, o corpo dela procurava o de Diogo. Sugere um jogo erótico, a que ele anui com entusiasmo: «Seduzi-o. Coloquei uma cadeira no meio da sala, disse-lhe para se sentar, fechar os olhos e amarrei-o».
Dois dedos num envelope
Há sempre imprevistos. O medicamento, dissolvido no sumo, perdera qualidades e não produzia o efeito desejado. Talvez tenha sido aí que Maria, não controlando a situação, decidiu pedir o apoio da namorada, que esperava por ela no carro. «Quando entrei, a Maria disse-me que já sabia o código do multibanco dele», contou Mariana.
O relato do que se passou a seguir saiu sem emoção, como se de uma circunstância óbvia se tratasse, da própria boca de Maria: «Quando a Mariana entrou, ele olhou para ela e eu fiquei irritada. Fiz-lhe o golpe mata-leão que aprendi no curso de segurança. Ele conseguiu libertar um braço da cadeira e lutou contra mim. Mas foi ao chão e sufoquei-o».
Diogo contribuíra em tudo para a sua própria morte. Fazia parte da geração que não prescindia da internet de banda larga, nem do iPhone sempre de última geração, guardando mais de metade da informação sobre a sua vida afetiva e financeira nos seus dois telemóveis. E a história do dinheiro é como a história do amor: todos desejam que lhes aconteça. Só que para muitos não importa qual o trajeto para lá chegar.
Maria tinha um conhecimento privilegiado dos seus hábitos. Conseguira o código do cartão de multibanco do rapaz, mas sabe que não pode fazer levantamentos superiores a 400 euros por dia. Com pressa para chegar ao dinheiro, precisa de entrar no iPhone de Diogo para ter acesso à aplicação MBWay, para compras e transferências imediatas. A jovem, sem emoção na voz, conduz a narrativa a partir daí: «Isto pode parecer muito estúpido ou imaturo da minha parte, mas eu tinha há pouco tempo visto numa série um homem, que também matou despropositadamente uma mulher, e que lhe cortou os dedos para ter acesso ao telemóvel uma vez que era através das impressões digitais que o podia desbloquear. Então, pus um papel debaixo da mão dele e comecei a tentar cortar com uma faca o polegar direito e o indicador com que ele desbloqueava os dois telemóveis. Para minha surpresa, consegui. Não sangrou muito».
O casal nunca pensou vir a ser descoberto, apesar das provas que ia deixando à sua volta. No dia seguinte, com o corpo de Diogo enfiado em sacos do lixo na bagageira do seu próprio carro, e os seus dedos escondidos num envelope dos CTT, atacam-lhe a conta e fazem compras no centro comercial Continente de Portimão. Na loja da cadeia Well’s, compram um protetor solar e um sabonete. As câmaras de videovigilância registariam o momento da saída das duas como uma nova fórmula de declaração de amor: abraçadas, olhando-se e sorrindo.
Conversas depois de morto
Para os amigos de Diogo, o rapaz estava vivo. Continuava online. Nesse sábado, David Guerreiro, que com ele trabalhava no departamento informático do hotel, recebe um SMS: «Ele tinha de trabalhar no dia seguinte e pedia-me para o substituir. Disse-lhe que sim. Só que tinha sido declarado o estado de emergência, o hotel ia fechar e o nosso patrão precisava dele. Ligou-lhe e ele não atendia. Eu continuei a insistir e nada. Até que me começou a mandar mensagens, a dizer que não ia voltar a trabalhar. Dizia que tinha conhecido uma pessoa em França e ia para lá».
Diogo, como se sabe, era um rapaz muito previsível. Os mais próximos conhecem-lhe a vida rotineira e, no emprego, logo se percebeu que algo de grave ocorrera. João (nome fictício), o chefe do departamento, estava longe de imaginar que alguém cortara os dedos do rapaz e se servia deles para o manter ativo, mas foi o primeiro a descobrir a patranha. O jovem, ou quem por ele se fazia passar, não lhe atendia os telefonemas, enquanto por mensagens argumentava que não tinha condições para falar por telefone e comunicava-lhe que queria a carta de demissão.
Com a desconfiança típica de um investigador, João responde: «Muito estranho esta conversa, quando quiseres telefona para falarmos, caso contrário não sei se és tu a falar ou se é outra pessoa a falar por ti».
O casal começava, assim, a ficar encurralado. O primeiro plano, que passava por transformar a vítima num emigrante prestes a mudar de vida, não pegara. O corpo de Diogo, envolvido em sacos do lixo, continuava na bagageira do carro, estacionado na garagem do prédio dos pais de Mariana, onde vivem. Na noite a seguir ao crime, as duas jovens, enquanto a família dormia, dão mais um passo na direção do abismo.
O piso ao lado da mala do carro, para não deixar vestígios, está atapetado de resguardos de plástico. Maria retoma a narrativa dessa longa jornada, como quem espera ser elogiada pela clareza da exposição: «Eu não o tirei do carro. Puxei a cabeça um pouco mais para fora, sempre com o saco à volta dela porque não conseguia olhar para ele. Ao primeiro golpe que dei, assustei-me ao ver o cutelo com sangue. Afastei-me um pouco para tentar manter a calma e voltei a cortar. Demorou muito tempo. Tive de parar para vomitar. Voltei e acabei de cortar a cabeça. Depois cortei as mãos, os pés…».
Juiz aterrorizado
Maria, num gesto de amor ou como se queira interpretar, sempre tentou arredar Mariana do crime. Mas a namorada decide retribuir-lhe a generosidade sem sujar demasiado as mãos. Podia ter-se remetido ao silêncio, mas decidiu prestar declarações. Sem tempo para concertarem versões, acabariam por entrar em contradições, com a enfermeira a destruir o móbil da violação adiantada pela outra. Quer no momento da morte, quer no desmembramento do corpo, a acreditar nas palavras de ambas, a enfermeira esteve sempre em choque, limitou-se a estar presente, uma espécie de assistente.
O juiz, chocado com o total desprendimento de emoções das duas jovens, volta e meia inquiria: «Mas onde estava a Mariana?». Foi o que aconteceu em relação à noite do desmembramento. O corpo aparecera cortado cirurgicamente pelas articulações. Antes que o magistrado lançasse a pergunta lógica, a rapariga diz: «Pensam que por ser enfermeira fui eu quem o cortou, mas basta consultar a internet e aparece logo como se desmembra um corpo». Maria, mais uma vez, tinha-a remetido para um papel secundário: «Nessa noite, como a luz da garagem estava sempre a desligar, pedi à Mariana para se manter ligada ao sensor». O juiz, que já tinha visto na sala de audiências muitos homens e mulheres que tinham acabado de cometer crimes, está horrorizado com tanto autocontrolo e indiferença: «Isso é de uma frieza de ânimo, isto é macabro!»
Este casal, porém, não é do género de se deixar impressionar. Maria, que se mantém em permanente contacto com os amigos da vítima, sabe que a tese da repentina viagem do jovem para França apenas gerara desconfiança e que o núcleo mais próximo do rapaz o procura por toda a parte, tendo até colocado uma foto dele e do seu Mercedes nas redes sociais. Têm de se livrar das provas e desembaraçar-se do corpo para que, caso seja descoberto, a polícia não o consiga identificar.
Dois dias depois do crime, pela noitinha, Maria, ao volante do carro de Diogo, segue em direção a Sagres. Mariana, que vai atrás, no seu próprio carro, não a perde de vista. Com a mente sem cessar de projetar filmes, Maria, pródiga no pormenor, faria o relato: «Tirei o tronco dele da bagageira, arrastei-o e empurrei-o para a água. Joguei também os telefones fora e os dedos. Daí, conduzi o carro para a fortaleza do Beliche e deixei-o lá».
Estava dado o mote para que a hipótese de suicídio fosse colocada.
O som da cabeça a rebolar
Na noite seguinte, o casal, desta vez na zona de Tavira, termina a saga. Maria retoma a epopeia com notória fidelidade aos factos: «A Mariana, com a lanterna do telemóvel iluminou o caminho, não se via nada, era mato. Atirei a cabeça e ouvi-a rebolar. Joguei também os restantes sacos com as mãos e os pés.»
O mistério do desaparecimento deslindou-se em dois tempos. Todos os indícios apontavam para elas. Os telefonemas e mensagens entre Diogo e Maria até ao dia da sua morte, as imagens das câmaras de videovigilância dos multibancos onde ambas tinham feito levantamentos com o seu cartão, somados às transferências bancárias para as contas das duas, via MBWay, serviriam para a Polícia Judiciária fazer o xeque-mate ao caso.
Florbela, a colega de Diogo e de Maria, nunca desconfiou que dentro desta existisse uma segunda e insólita personalidade que fabricava ideias estranhas e sinistras.
Após o desaparecimento do rapaz, as duas tornaram-se mais íntimas e estavam em contacto permanente. A 26 de março, Florbela em choque, envia-lhe um SMS: «Oi linda, afinal o carro do Diogo foi encontrado perto de Sagres. Já penso o pior». E a outra, desprendida de emoções, responde: «Assim que soube também pensei no pior. Em Sagres não há nada para fazer». Florbela continua a descarregar a dor: «Pois agora é esperar. A polícia já está a investigar. Não tenho dormido nada, eu adorava o miúdo». Maria, com uma mentalidade deformada, acrescenta com desembaraço: «Espero que não tenha cometido nenhuma loucura».
E quando o tronco e a cabeça do rapaz apareceram e a tese de suicídio deixou de ser o centro das atenções, Maria não descansou enquanto não atribuiu o crime a terceiros. A Florbela tenta colocar a dúvida que já levantara na PJ quando fora ouvida ainda na qualidade de testemunha: «Perguntei-lhe quem é que ela achava que tinha feito aquilo ao miúdo. E ela disse-me: ‘Pensa Florbela, pensa. Só pode ser a sua herdeira legítima’. Referia-se a uma tia do Diogo, mas eu não acreditei. Essa rapariga é um monstro».O mesmo pensou o juiz no despacho que determinou a prisão preventiva de ambas: «Estamos perante o crime mais grave do ordenamento jurídico, cometido de uma forma fria, calculista, pensada, totalmente macabra. A frieza das declarações das arguidas assusta e choca qualquer sociedade civilizada e organizada».
Maria e Mariana ouviram o juiz decretar as medidas de coação impávidas e de mãos entrelaçadas. Seguiriam para o Estabelecimento Prisional de Tires, em Cascais, e só lhes ocorreu fazer um pedido: ficarem juntas na mesma cela. Fazia todo o sentido.