Os intolerantes do regime

Há dias, um dos mais talentosos músicos da nossa praça foi crucificado em público, incluindo por alguns dos seus pares, por se ter atrevido a actuar num jantar/convívio de um partido que os supostos bem pensantes do regime teimam em catalogar como sendo de extrema-direita.

Devo esclarecer, em abono da verdade, que conheço o Olavo Bilac há muitos anos, sendo dele amigo.

Nunca discutimos política, razão pela qual desconheço qual o seu alinhamento ideológico, mas jamais lhe ouvi uma palavra de intolerância seja para quem for.

Nunca lhe reconheci traços de vedetismo, muito pelo contrário, recordo-me que no auge da sua popularidade levava tempos intermináveis a atravessar a sala de qualquer bar ou discoteca, porque a todos que dele se abeiravam conversava amigavelmente, sem a ânsia das selfies, mas sim com a preocupação de ser amável e responder, com a mesma moeda, ao carinho que lhe dispensavam.

Viu-o, não poucas vezes, levantar-se da mesa onde nos encontrávamos, num restaurante ou em qualquer outro estabelecimento aberto ao público, para se sentar junto de pessoas que não conhecia de lado nenhum, oferecendo-lhes uns dedos de conversa.

Ainda há pouco mais de um ano, quando comemorávamos, numa discoteca lisboeta, o dia de anos de uma amiga comum, foi instado pelo gerente daquele espaço a cantar ao vivo para todos quantos ali se deslocaram à procura de um pouco de diversão, tendo-o feito graciosamente, malgrado o desconforto que lhe causou aquela situação, porque a sua vontade seria apenas a de partilhar com os seus amigos uns momentos de descontração e de boa-disposição, longe dos holofotes da mediatização.

O Olavo Bilac que conheço é uma pessoa humilde, para quem a palavra “não” só é usada em situações extremas, e que não se poupa a esforços para ser merecedor do reconhecimento que lhe é devido por parte daqueles que se identificam com o seu percurso profissional consagrado à música portuguesa.

Custou-me, por estes motivos, vê-lo retratado publicamente por quem tinha mais do que obrigação de enaltecer o mérito com que ele se tem evidenciado na projecção da nossa cultura.

Estamos perante um músico profissional, que não se envolve em lutas de cariz político, mas tão somente abraça, com energia e entusiasmo, a sua carreira, a ela dedicando-se em exclusivo e em permanência.

Vivendo apenas da música, e sobretudo num período amaldiçoado por uma pandemia que tem sido catastrófica para todos os artistas, não se pode dar ao luxo de recusar ofertas de trabalho, porque delas depende o seu ganha-pão e o alimento de bocas pelo qual é responsável no seio familiar.

Por essa razão tem o direito de participar em qualquer espectáculo para que seja contratado, desde que, naturalmente, actue dentro da legalidade, não oferecendo o seu bom-nome para causas atentatórias do estado de direito.

Acontece que o Chega, simpatize-se ou não com o seu projecto político, é um partido constitucional, com assento no nosso quadro parlamentar, e cuja actividade se enquadra dentro dos limites impostos pelo sistema político vigente.

Olavo Bilac também já participou em espectáculos promovidos por outras forças políticas, nomeadamente na festa do avante, e em momento algum o seu carácter foi, então, questionado, apesar dos comunistas defenderem oficialmente um sistema ditatorial e fazerem a apologia dos mais abomináveis e sangrentos regimes totalitários ainda existentes ou já desaparecidos da face da terra.

Mas para os intolerantes do regime, que destilam litros de ódio a cada segundo que passa, nada disso conta. Todas as ideologias, por mais aberrantes que se revelem, são incentivadas, desde que se proclamem de esquerda, estando, no entanto, expressamente vedado o convívio com quem se recusa a prestar vassalagem ao politicamente correcto.

Por isso a um músico é permitido que a sua voz ecoe junto daqueles que não têm qualquer pingo de vergonha na cara em glorificar o mais sanguinário ditador de que a História regista, que respondia pelo nome de Stalin, mas corre o risco de ser banido do panorama artístico se for visto perto de quem, apesar de se mostrar defensor da democracia e da liberdade, se atreve a afirmar-se como sendo de direita.

Voltámos ao tempo do PREC, retrocedendo mais de quatro décadas, período no qual quem contestasse os ideais revolucionários então em curso era logo classificado como fascista e reaccionário, tendo como destino imediato o exílio ou a prisão.

A ditadura comunista, que na altura quase levou os portugueses a uma guerra civil, da qual nos safámos graças ao golpe militar de 25 de Novembro, que veio restabelecer a ordem democrática, deu agora lugar à ditadura do marxismo cultural, que se instalou dentro da nossa sociedade com o beneplácito de forças políticas que, num passado não muito distante, deram provas de moderação.

Ao Olavo Bilac apenas tenho um reparo a apontar: o de ter expressado o seu arrependimento por ter actuado naquele jantar e desse facto ter pedido desculpa!

Não deveria ter sido obrigado a desculpar-se, caso vivêssemos num estado de tolerância e de respeito pelas escolhas individuais de cada um.

Apesar de discordar dos seus públicos remorsos, não lhe arremesso com insinuações ao seu carácter, como colegas de profissão não se coibiram de o fazer, porque reconheço a fragilidade da condição em que caiu, receoso de uma quase certa condenação ao ostracismo e ao consequente banimento dos palcos.

O problema, na verdade, não está na índole de quem já foi, em simultâneo, santo e pecador, mas sim na intolerância destes ditadores de meia tigela que se apropriaram de uma Nação milenar, na qual sempre conviveram, em paz, gentes de distintas origens sociais, raciais, religiosas e culturais.

Paz essa que esses intolerantes do regime teimam em destruir.