Remar contra a maré

O terreno do desconhecido é incerto, mas já ninguém parece ter medo das consequências de tentar nadar num pântano.

por Filipa Moreira da Cruz

Admiro o trabalho dos jornalistas a sério. Aqueles que se preocupam em dar a notícia sem rodeios nem artimanhas. Os que não recorrem a subterfúgios e não têm medo de derrubar os que se julgam intocáveis, com o único objetivo de informar. Os que põem o dedo na ferida, deixando-a em carne viva. Os que nos provocam insónias com a dura realidade que descrevem. Os que resistem à tentação das fake news. Tiro-lhes o chapéu (no sentido figurado porque não há nenhum que me assente bem) pela constância e resiliência face às redes sociais. Nos dias de hoje, há quem se fie mais no Facebook do que no que está escrito num jornal digno desse nome.

 

Gosto dos jornalismos escrito e radiofónico. Quase nada me dá mais prazer que ler um bom artigo ou ouvir um programa de rádio. Desses que nos prendem desde o primeiro minuto. Vivo, há vários anos, sem televisão e não sinto a sua falta. Sempre me pareceu um mundo perverso e nunca me deixei inebriar pela sua ‘magia’. A concorrência é cada vez mais desleal. Cada um tenta ser rei no pequeno ecrã, esquecendo-se que a fama é efémera. São muitas as quedas dos anjos… sem asas. Confesso que não entendo as inúmeras disputas entre os vários canais e sinto-me de outro planeta mediante os valores exorbitantes pagos às estrelas televisivas do nosso país.

2020 será sempre recordado como um annus horribilis e nem o verão escapa. Este ano, os jornalistas não têm direito a férias. As notícias são, quase sempre, más. Uma provocação àqueles que ainda acreditam num mundo melhor. Os eternos otimistas, como eu. Chamem-me naïve que não me ofendo. Desta vez, não são necessárias as fotografias da praxe com os políticos a banhos no Algarve. (Valha-nos isso!) Nem os eternos faits-divers que só têm direito de antena ou destaque na imprensa em julho e agosto quando não há nada mais para contar. Nem sequer há tempo para os fogos que consomem o país durante o verão. Como sempre. Todos os dias há algo novo para revelar e é quase impossível manter-se atualizado.

O acordo (tirado a ferros) da cimeira europeia, o exílio do rei emérito Juan Carlos, a dupla explosão em Beirute, o petroleiro japonês encalhado nas ilhas Maurícias, as oito pessoas assassinadas na República do Níger, a Amazónia consumida pelas chamas. O envenenamento de Alexei Navalny, os sete tiros nas costas de Jacob Blake, o acordo ‘de paz’ entre o Estado de Israel e os Emirados Árabes Unidos, impulsionado por Donald Trump. Who else? Estes acontecimentos não estão por ordem cronológica porque já perdi o fio à meada. E faltam mais, obviamente. A passagem da covid-19 deixou-me sequelas na memória, outrora de elefante. Podia ter sido pior.

 

Além destes e outros trágicos incidentes o vírus continua de boa saúde e não foi de férias. São vários os países que tentam comprar uma das vacinas criadas à pressão. Faz-se tudo para evitar o reconfinamento que poderia vir a ser catastrófico social e economicamente. As máscaras deitadas para o chão não ajudam a poupar o planeta que já vive a crédito dos seus recursos naturais. E os loucos continuam a mandar no mundo como se fossem imortais. Parece o início do fim.

Quem melhor que os jornalistas (a sério) para nos ajudarem a descodificar tudo o que acontece em tão pouco tempo? Quem mais credível que estes profissionais cujo trabalho é, acima de tudo, informar? Num mundo virtualmente digital é tão fácil deslizar os dedos pelo teclado e opinar sobre tudo, mas escasseiam os que o fazem com dignidade e respeito. O terreno do desconhecido é incerto, mas já ninguém parece ter medo das consequências de tentar nadar num pântano.

Resta-me desejar um bom final de Verão a todos e esperar que a rentrée política faça por merecer a tão cobiçada capa de um jornal. Para variar…