Sai Antonoaldo e entra Ramiro

Ramiro Sequeira assumiu o cargo de presidente da comissão executiva. A ‘nova’ TAP trabalha na sua reestruturação. Miguel Frasquilho admite que companhia vai ter de ‘encolher’.

É oficial: Antonoaldo Neves renunciou na última quarta-feira ao cargo de presidente da comissão executiva da TAP, colocando assim um ponto final numa relação conturbada, iniciada em janeiro de 2018, quando substituiu Fernando Pinto (após 17 anos no cargo). Este momento encerra, tecnicamente, uma era marcada pelo controlo da companhia aérea pela Atlantic Gateway de David Neeleman – que começou em 2015 e terminou, na prática, em julho, quando o empresário de dupla nacionalidade brasileira e norte-americana, dono da companhia Azul, cedeu ao Estado português a participação que detinha na empresa por 55 milhões de euros. 
Para o cargo, e tal como também já se sabia, sobe Ramiro Sequeira. O gestor, que está na companhia aérea desde 2018, foi a escolha do Governo para comandar a companhia área no período remanescente do mandato em curso (triénio 2018-2020). O novo CEO da TAP – que trabalhou durante 12 anos no Grupo IAG (British Airways e Iberia) – é, no entanto, uma solução interina, uma vez que o nome definitivo deverá ser encontrado no mercado internacional, tal como já havia garantido o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos (o processo para a escolha da nova equipa de gestores para TAP deve passar por uma empresa especializada).
Na hora da saída, Antonoaldo Neves dirigiu uma carta dirigida à ‘família TAP’ onde admitiu que «há sempre espaço e oportunidade para fazer mais e melhor», mas onde sublinha que, ainda assim, sai da companhia aérea «com sentimento de missão cumprida». «Saio com a consciência e com o coração completamente tranquilos por ter dado o meu contributo, profissional e enérgico, sempre para o melhor da TAP», afirma na missiva.
Embora, na hora da despedida, Antonoaldo Neves recorde  as «muitas vitórias» alcançadas  sob o seu comando, destacando, por exemplo, a contratação de dois mil trabalhadores, a renovação da frota, ou aumento das rotas e do número de passageiros, a verdade é que os resultados da companhia ficaram muito aquém dos planos. Em 2018 (-118 milhões) e 2019 (-106 milhões) as contas não saíram do ‘vermelho’.  E já no primeiro trimestre de 2020, incluindo o período que antecedeu a suspensão dos voos devido à pandemia, a 19 de março, o saldo negativo chegou aos 395 milhões. A covid-19 agravou a situação já por si complexa: uma dívida total calculada em 3,3 mil milhões de euros, segundo o Governo, e capitais próprios negativos na ordem dos 600 milhões. A situação de caixa da empresa encontrava-se sem fundos para pagar, sequer ordenados, precipitando a intervenção do Governo.
Antonoaldo Neves deixou ainda «uma palavra de apreço e encorajamento ao Ramiro [Sequeira], que saberá dar o seu melhor para motivar e criar as condições para que todos possam contribuir para ultrapassar este desafio e dar um novo futuro à nossa TAP».
Embora com estatuto temporário, Ramiro Sequeira terá pela frente a dura tarefa de apresentar em outubro o plano de reestruturação da companhia à Comissão Europeia – uma exigência de Bruxelas no âmbito do empréstimo, feito pelo Estado à empresa, de até 1,2 mil milhões de euros, com o objetivo de salvá-la da falência –, que prevê o corte de frota, rotas e postos de trabalho, e tem vindo a ser desenvolvido em parceria com a norte-americana Boston Consulting Group.
No âmbito desta reestruturação, o presidente do conselho de administração da TAP, Miguel Frasquilho, defendeu que a companhia aérea precisa de uma dimensão mínima para continuar a defender os interesse do país, ainda que tenha de «encolher».
«A TAP precisa de uma dimensão mínima. Nós vamos trabalhar nesse cenário, a intenção não é que a TAP seja uma TAPzinha, […] isso não serve os interesses do país», afirmou Frasquilho, numa conversa online com o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros, para debater os transportes e as acessibilidades em tempos de pandemia de covid-19. «É natural que a TAP vá encolher. […] Mas nós não queremos que essa dimensão seja impeditiva que a TAP continue a servir os interesses do país», acrescentou O responsável lembrou que, segundo as previsões recentes, só em 2024 a atividade aérea voltará aos patamares em que se encontrava em 2019.

AG reforça posição do Estado

Entretanto, os obrigacionistas da TAP viabilizaram em assembleia geral (AG) um eventual reforço da participação do Estado português na companhia aérea, mediante a conversão em capital do empréstimo de 946 milhões de euros (ao qual poderá acrescer um montante adicional de 254 milhões de euros).
Embora não seja certo que tal venha a ocorrer, esta decisão serviu, fundamentalmente, para salvaguardar que os detentores de títulos de dívida não possam converter o empréstimo em capital, alterando, desta forma, a estrutura acionista da empresa. o que representaria uma quebra das condições estabelecidas com os obrigacionistas, permitindo-lhes uma corrida ao reembolso antecipado de capital e de juros dos títulos. 
Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a TAP informou ter sido aprovado com 96,58% de votos a favor, 3,42% de votos contra e 20 abstenções o ponto em que os obrigacionistas foram chamados a «deliberar sobre a renúncia pontual ao dever de manutenção da relação de grupo por domínio total entre a TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. e a Transportes Aéreos Portugueses, S.A. em resultado da potencial detenção, diretamente pelo Estado Português, de ações representativas do capital social da Transportes Aéreos Portugueses, SA».
Recorde-se que o acordo entre Governo e privados permitiu ao Estado passar a deter 72,5% do capital da TAP. O Estado comprou a posição de Neeleman por 55 milhões de euros, ficando Humberto Pedrosa com 22,5% do capital da empresa. Os restantes 5% mantêm-se, como até aqui, na posse dos trabalhadores. Para se alcançar um acordo, a Azul de Neeleman teve ainda de abdicar do direito a converter 90 milhões de euros de empréstimo à TAP, feito em 2016, em 6% do capital da empresa, condição imposta pelo Governo para se chegar a um consenso.