Niels Högel. O enfermeiro assassino que só queria fugir à rotina

Niels Höge, o ex-enfermeiro alemão que se tornou no ‘mais prolífico assassino da Alemanha pós-guerra e talvez do mundo’, vai mesmo ser condenado a prisão perpétua. Uma história com contornos macabros.

ais de um ano após ter sido conhecida a sua sentença, desta vez não há margem para dúvidas: o enfermeiro Niels Högel vai mesmo ser condenado a prisão perpétua pela morte de 85 pacientes. O Tribunal Federal de Recurso anunciou recentemente que não existia qualquer tipo de erro processual e, por isso mesmo, «rejeitou» o recurso do ex-enfermeiro de 43 anos, que invocava «erros processuais». Um recurso de uma das partes civis, que contestava a absolvição de Högel declarada pelo tribunal de Oldenburg em 15 mortes por falta de provas suficientes, também foi rejeitado pelo tribunal federal.
Os crimes do ex-enfermeiro ocorreram entre 2000 e 2005. Ficou provado que Högel provocava paragens cardíacas aos pacientes para depois os ressuscitar de forma a impressionar os colegas e adquirir o estatuto de herói nas suas tentativas, geralmente, sem sucesso.
Não existe a certeza sobre quantas pessoas foram, na verdade, suas vítimas, visto que diversos cadáveres foram cremados e não deixaram nenhuma prova, mas acredita-se que o número pode ser superior a 300 mortes. O New York Times disse, por isso, que Högel era o «mais prolífico assassino da Alemanha pós-guerra e talvez de todo o mundo».

‘Independente e consciente’ e ‘tecnicamente correto’

Niels Högel cresceu na cidade de Wilhelmshaven, no norte da Alemanha, com os seus pais e a sua irmã, num lar normal, onde viveu uma infância «protegida» e onde não esteve exposto a violência. O seu pai e a avó eram enfermeiros, o que também o terá motivado a prosseguir esta carreira. Em 1997, completou o seu treino vocacional no Hospital de Sankt-Willehad, onde continuou a trabalhar como enfermeiro.
Após esta experiência, em 1999, Högel começou a trabalhar numa clínica em Oldenburg, na unidade de cuidados intensivos de cirurgias cardíacas, e foi aqui que começaram a surgir relatos suspeitos.
Em agosto de 2001, o staff do hospital começou a notar uma estranha subida nos casos de reanimação e de mortes. Högel confessou à polícia que, após esta reunião, os seus crimes tinham sido descobertos. Cerca de 58% das mortes que ocorreram no hospital deram-se enquanto o ex-enfermeiro esteve de serviço.
Muitos dos seus colegas consideravam-no um «amuleto de azar» e chamavam-lhe «o Rambo da ressuscitação», dado o número de anormal de pacientes que necessitavam de passar por procedimentos de emergência. «No início, parece o destino», disse uma ex-colega em tribunal. «Mas, a dada altura, começam a surgir suspeitas». 
Apesar de existirem dúvidas sobre o seu comportamento, ninguém o denunciou às autoridades e, em 2002, foi transferido para a clínica de Delmenhorst, tendo até recebido uma carta de referência que elogiava a sua forma de trabalhar «independente e consciente», as suas reações «conscientes» e a «técnica correta». 
Anos mais tarde, durante o julgamento de Högel, o juiz criticou a «amnésia coletiva» que permitiu que o criminoso continuasse com as suas ações e condenou o diretor do hospital de Oldenburg por não ter procedido de forma a impedir o ex-enfermeiro de cometer os assassinatos. Oito colegas de trabalho foram acusados de perjúrio. 

Fugir à rotina 

Na clínica de Oldenburg, Högel terá assassinado, pelo menos, 36 vítimas. Mas foi em Delmenhorst que o seu comportamento terá escalado: aqui, foi acusado de matar 64 pessoas.
As suas vítimas, com idades entre 34 e 96 anos, eram escolhidas arbitrariamente. Depois eram injetadas com medicamentos para o coração como ajmalina, amiodarona, sotalol, potássio e lidocaína, um anestésico.
O seu trilho de morte chegou ao fim em junho de 2005, quando Högel foi apanhado a injetar uma dose letal de ajmalina, medicamento que provoca contrações arrítmicas, a um paciente com cancro do pulmão e que acabou por falecer. Uma colega enfermeira denunciou-o aos médicos responsáveis pelo paciente. Estes ainda permitiram que o enfermeiro terminasse o seu turno, o que resultou numa última vítima, Renate Röper, de 67 anos.
O ex-enfermeiro, que padece de narcisismo grave, foi condenado num primeiro julgamento de 2008 por apenas algumas das mortes. Contudo, os investigadores continuaram a investigar este caso e o histórico dos pacientes de Högel. Durante o processo, foram revistos 500 ficheiros médicos, 134 cadáveres foram exumados de 67 cemitérios e o assassino foi questionado inúmeras vezes.
No presente julgamento, o alemão confessou ter cometido 100 assassinatos, mas foi impossível comprovar se 15 destas mortes tinham ocorrido efetivamente por sua culpa. «Sinto-me o 
contabilista da morte», disse o juiz Bührmann.
O assassino ainda procurou mostrar remorsos e arrependimento e pediu desculpa a todas as famílias das vítimas. «Lamento infinitamente», disse em tribunal, acrescentando ainda que esperava que as famílias encontrassem paz com a sua condenação. 
No entanto, poucos aceitaram este arrependimento. «Pessoalmente, estou convencido de que o acusado continua a viver o seu narcisismo até aos dias de hoje», disse Arne Schmidt, chefe da polícia de Cuxhaven, que liderou uma investigação especial sobre os assassinatos do ex-enfermeiro.
«A sua culpa é tão grande que ninguém a consegue explicar», disse o juiz Bührmann «É tão grande, que nem a consegue mostrar». Quando lhe ofereceram a oportunidade para justificar os crimes que cometeu, a única explicação honesta que conseguiu oferecer foi o aborrecimento que sentia no trabalho. «Foi a rotina diária da clínica que falhou em desafiar-me», afirmou.
A sentença está dada: Högel irá viver o resto da sua vida na prisão.