Viram o mesmo debate que eu?

No fim de tudo, o que mais me surpreende nestas eleições americanas é a parcialidade dos jornalistas e comentadores. Na TV portuguesa, não vi um único afeto a Trump e vi uma multidão a defender Biden. 

Quando acabou o debate entre Trump e Biden, já passava das 3h30 da madrugada de 4ª feira, um amigo que não o tinha visto perguntou-me como correra. Respondi: «Foi um debate vivo, com alguns momentos de tensão, e Trump ganhou claramente».
Dos sete temas discutidos, Trump venceu em cinco, perdeu num (a pandemia) e empatou noutro (as alterações climáticas).
Mas mais importante do que isso foi a imagem projetada por cada um dos candidatos. Qualquer crítico de TV sabe que, num debate destes, a imagem que se projeta sobrepõe-se muitas vezes às palavras que são ditas. Ora, enquanto Trump se apresentou como um homem ainda fisicamente vigoroso, com energia, Biden parecia um velhinho, tropeçando às vezes nas frases, capaz de ser derrubado por uma brisa mais forte.
E eu perguntava-me: independentemente de se ser de direita ou de esquerda, com que confiança um eleitor vai entregar a liderança de um grande país como a América a um homem que transmite uma tão grande sensação de fragilidade física? 

Foi com esta ideia que me deitei. Mas no dia seguinte, ao levantar-me, o que ouvi na rádio e na TV era quase o oposto: fora «o pior debate da história da América», pareciam dois homens «chafurdando na lama», etc., e Biden tinha ganho. E eu interroguei-me: terão visto o mesmo debate que eu?
Não viram. Julgo que muitos comentadores não viram o debate – viram um resumo. Ora, num condensado de dois minutos com os momentos mais tensos da disputa, pode ficar a ideia de um confronto terrível. Mas para quem, como eu, viu aquelas cenas distribuídas por hora e meia, a sensação foi outra.
Nenhum dos candidatos gritou, ambos mantiveram quase sempre uma postura tranquila, raramente se exaltaram. Claro que houve momentos mais tensos, mas se não houvesse era uma chatice. Também se argumentou que Trump interrompeu várias vezes Biden, quando havia um acordo para não se interromperem. É verdade. Mas quantas vezes na TV portuguesa vemos nos debates os intervenientes interromperem-se, às vezes de forma ostensiva e deselegante? E, do ponto de vista televisivo, alguns desses momentos foram até os melhores. Se tivéssemos tido durante hora e meia dois homens a papaguearem alternadamente monólogos, teria sido um tremendo aborrecimento.

Aliás, tudo o que se passou foi previsível, pelo que surpreende a estranheza dos comentadores. Toda a gente sabe que Trump é truculento, provocador, por vezes malcriado. E não havia razão para ali ser diferente. E era natural que, vendo-se agredido, Biden reagisse uma vez por outra com agressividade. Por isso, repito, mesmo os momentos mais tensos eram previsíveis. Aqui em Portugal tivemos debates muito mais constrangedores, como um frente-a-frente entre António José Seguro e António Costa recheado de acusações pessoais de «traição». 
Então o que se terá passado para a reação dos comentadores ser tão violenta?
A meu ver, perante a derrota notória de Biden, embora as sondagens lhe dessem a vitória (recorde-se que há quatro anos passou-se o mesmo: os inquéritos depois dos debates davam a vitória a Hillary mas toda a gente sabia que Trump os vencera), os comentadores tentaram amenizar o facto dizendo que o debate foi horrível. 

No fim de tudo, o que mais me surpreende nestas eleições americanas é a parcialidade dos jornalistas e comentadores. Na TV portuguesa, não vi um único afeto a Trump e vi uma multidão a defender Biden. 
Ora, com tantos defeitos, sem uma única qualidade, é estranho como Trump foi eleito presidente dos EUA.
Não tenho qualquer simpatia por Donald Trump, que deve ser um homem insuportável. Mas incomoda-me profundamente o sectarismo, a falta de isenção dos comentadores e sobretudo dos jornalistas. Ouvi-los a dizer todos o mesmo, como cãezinhos amestrados a reproduzir a mesma música, desgosta-me. É patético. Num debate como este, os canais televisivos tinham a obrigação estrita de convidar comentadores próximos de cada uma das partes – e não a puxarem todos para o mesmo lado.

Não sou dado a acreditar em teorias da conspiração. Mas perante os tremendos ataques a Trump, pergunto: que poderosos interesses está ele a afrontar para alimentar tantos ódios? Que verdades está a pôr em causa para ter gente contra ele? Dá que pensar…