Fim dos testes para ter alta. “O ministério tinha de explicar aos pais, autarquias e sindicatos o que ia mudar”

Sindicato Independente dos Médicos acusa tutela de contribuir para maior conflitualidade.

A regra mudou na última quarta-feira, dia em que foi anunciado o regresso do país ao estado de calamidade perante o aumento de casos de covid-19. Uma revisão da norma n.o 004/2020, que contém os procedimentos para a abordagem do doente com suspeita ou infeção por SARS-CoV-2, encurtou de 14 para dez dias o período de isolamento de pessoas que testam positivo para o coronavírus e não têm sintomas ou, tendo sintomas ligeiros, apresentam melhorias e deixarem, por exemplo, de ter febre sem fazer medicação durante pelo menos três dias. Nos doentes graves, o período de isolamento mantém-se em 20 dias.

É, no entanto, outra das alterações que está agora a gerar mais dúvidas nas escolas e locais de trabalho: ter um teste com resultado negativo deixou de fazer parte dos critérios para ter alta. Sejam infetados com quadros assintomáticos, ligeiros ou graves, não têm de fazer o teste, que fica previsto apenas em três casos: caso se trate de profissionais de saúde ou prestadores de cuidados de elevada proximidade com doentes vulneráveis e que vão regressar ao trabalho, doentes que vão ser admitidos em lares ou unidades de cuidados continuados ou que precisem de ser transferidos para outras áreas hospitalares não dedicadas a casos de covid-19. Neste caso, devem ficar em isolamento até serem completados 20 dias após o diagnóstico, determinando a norma que, nessa altura, a alta dispensa também a realização do teste.

Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, lamenta que todas as explicações sobre o fim da realização dos chamados testes de cura não tenham sido prestadas em tempo devido pelo Ministério da Saúde, acusando mesmo a tutela de ter emitido a norma pela “calada da noite”. A norma foi apresentada na conferência da DGS, mas a questão sobre o fim dos testes não ficou clara de imediato.

O médico sublinha que a situação está a gerar dúvidas entre os doentes no momento da alta, pelo receio de que ainda possam ser infecciosos para algum familiar ou no seu local de trabalho, e também dos pais, no regresso das crianças às escolas. Jorge Roque da Cunha salienta que, ao mesmo tempo, esta alteração fez aumentar nos últimos dias o número de doentes recuperados sem que isso signifique uma melhoria da situação epidemiológica do país, apenas a alteração nos procedimentos. “O Ministério da Saúde está a alimentar uma mentira com um disparar de recuperados e está a contribuir para o aumento da conflitualidade entre médicos e doentes e também nos locais de trabalho”, critica o dirigente. “Não discuto a questão técnica de não serem necessários testes, mas o ministério tinha de explicar que se ia deixar de fazer testes e de fazer chegar esse esclarecimento às associações de pais, às autarquias e aos sindicatos”, sublinha.

Numa empresa da Grande Lisboa, as dificuldades em aplicar a nova regra sentiram-se logo no final da semana passada. A empresa testa regularmente os funcionários. Dois colaboradores que estavam infetados e assintomáticos a cumprir o isolamento em casa após terem sido diagnosticados com a infeção por SARS-CoV-2 foram incluídos na testagem e voltaram a dar positivo. No entanto, no dia seguinte viriam a ter alta sem a realização de teste, apresentando-se ao trabalho, uma situação que a empresa não soube como gerir, nomeadamente se os devia colocar em contacto com os restantes funcionários. Só então se apercebeu da nova norma. A opção foi, no entanto, manter as pessoas em casa, até pelos receios que iriam causar entre colegas.

Nas escolas, as dúvidas e receios dos pais também não tardaram. Os diretores criticam o facto de não ter havido um esclarecimento e um dos receios das famílias é o estigma que as crianças podem sofrer. “Sabemos que são regras com base científica e que a situação evolui, mas é uma mudança substancial nos procedimentos e deveria haver uma explicação cabal da tutela. Se isto não for explicado, irá sobrar para nós. Os pais, o que querem é que se faça o teste, mesmo que seja mais um fator psicológico”, disse ao Público Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.