Desde abril que não havia um dia com mais de 30 mortes associadas à covid-19 em Portugal, o balanço desta última quinta-feira conhecido ontem. Das 31 vítimas mortais, 24 tinham mais de 80 anos (o grupo de maior risco e com mais mortes desde o início da epidemia), quatro 70 anos e duas eram sexagenárias.
Apesar de nesta segunda fase da epidemia a maioria dos casos ser em pessoas mais jovens, a cada semana que passa, com o aumento da transmissão da doença no país, tem havido mais idosos infetados, numa curva que acompanha o aumento da mortalidade e leva a prever uma subida das mortes ao longo das próximas semanas. A tendência é visível neste mês: desde o início de outubro já houve o dobro das mortes registadas em setembro, mês em que tinham sido quase o dobro de agosto. Até esta quinta-feira, a oito dias do fim do mês, morreram no país 299 pessoas diagnosticadas com covid-19, quando em setembro se registaram 153 mortes. Em agosto 87 mortes.
Mais casos, a maioria nos grupos mais jovens
Numa altura em que o número de casos continua a aumentar no país, a subida tem acontecido semanalmente em todos os grupos etários. A maioria dos casos são nos jovens e adultos abaixo dos 50 anos, em particular na casa dos 20 e 30. Mas como os restantes grupos etários, os idosos têm vindo a registar mais casos a cada semana. Têm rondado cerca de 12% dos novos casos.
De acordo com os boletins da Direção Geral da Saúde na semana passada, nos diagnósticos reportados entre segunda-feira e domingo, registaram-se 1644 novos casos em idosos com mais de 70 anos, quando na semana anterior tinham sido 908 e na anterior 844. Esta semana, até ontem, havia um aumento de 25% dos casos em idosos face ao mesmo dia da semana passada. Analisando apenas o grupo etário dos 80 anos, na semana passada registaram-se 883 casos neste grupo etário, quando na semana anterior tinham sido 464.
Duas curvas lado a lado
Ao SOL, Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia da Universidade do Porto, que desde março faz a modelação da epidemia no país, considera que a evolução do número de casos em idosos nas últimas semanas permite explicar o aumento de óbitos e alerta que, com o atual ritmo de crescimento de casos, é previsível que continuem a aumentar os casos entre idosos e também os óbitos, podendo ultrapassar o que se verificou na primeira onda.
O investigador apresenta uma análise do que se tem vindo a verificar na faixa etária dos 80 anos para ilustrar o risco atual: no gráfico em baixo, pode ver-se que a incidência de novos casos a cada 14 dias na população com mais de 80 anos teve um pico em abril, quando a epidemia afetou sobretudo o Norte do país.
Entre maio e meados de julho, quando houve um recrudescimento de casos sobretudo na região de Lisboa, os idosos acima dos 80 anos não foram tão afetados como nos primeiros meses e verificou-se um ligeiro aumento da mortalidade. Agora, a incidência dos casos em idosos com mais de 80 anos aproxima-se do pico registado em abril e o número de óbitos neste grupo etário tem vindo também a subir.
Estão abaixo do que se registou na primeira onda, mas Óscar Felgueiras salienta que é preciso ter presente que existe um desfasamento temporal. «Os óbitos são uma consequência diferida das infeções e são acima de tudo determinados pela incidência nos idosos. Neste momento, a incidência nos idosos com 80 ou mais anos está já num nível semelhante ao do máximo de abril e naqueles entre 70 e 79 anos está já a um nível bem superior. O problema é que por agora a tendência continua a ser de subida e como tal vai haver mais casos e mais óbitos», afirma.
O investigador admite que o cenário atual é diferente do da primeira onda, com menor impacto numa primeira fase na população mais velha. Haverá também mais sensibilização, mais tratamentos, mais diagnóstico, mas agora o vírus está mais disseminado, o que tende a aumentar o risco. «Acima de tudo conseguiu-se até há pouco tempo conter-se bastante o número de casos nos idosos. Essa é a razão principal pela qual existe a sensação aparente de menor mortalidade agora. No entanto, a situação está a mudar demasiado rápido e a subida sustentada de incidência nos idosos tem consequências inevitáveis, principalmente a partir dos 80 anos», alerta o investigador. Desde o início da epidemia, representam dois terços da mortalidade por covid-19 no país. «Nesta faixa etária a letalidade atingiu um máximo de 21,5% em junho, estando agora nos 15,2%. Pode parecer algo contra intuitivo mas esta descida da letalidade particularmente pronunciada a partir de setembro está muito associada ao aumento acelerado de casos e o facto de esse aumento ainda não ter sido refletido nos óbitos. Não me parece nada evidente que haja uma diminuição muito significativa do impacto da doença nesta faixa etária relativamente à primeira fase da epidemia. Para os idosos abaixo dos 80 anos, eventualmente o impacto poderá ser agora menor».
Olhando para o que se está a passar este mês, em que os especialistas acreditam que não se vive ainda o pico da epidemia, percebe-se que tem também aumentado o peso da infeção na mortalidade global no país.
De acordo com a informação disponível no sistema nacional de vigilância da mortalidade, com informação diária sobre o número de óbitos que ocorrem em Portugal por todas as causas, em setembro as 153 mortes por covid-19 representaram 1,7% dos 9010 óbitos registados no país. Até quinta-feira, foram declaradas 6803 mortes em Portugal este mês, o que significa que o peso das pessoas que faleceram com um diagnóstico de covid-19 subiu para 4,4%.
Onde estão a ocorrer os contágios em idosos? Ontem a ministra da Saúde indicou apenas que há neste momento 107 lares de idosos com surtos ativos e 1400 casos em instituições. Atendendo aos números das últimas semanas, significa que estão também a ocorrer muitos contágios fora de instituições, provavelmente na comunidade e nos contactos habituais.