Marisa Matias vs João Ferreira. “Não vale a pena cavar diferenças onde elas não existem”

Marisa Matias e João Ferreira falaram das suas muitas “convergências” e de algumas das “divergências”. Debate foi marcado pelas questões laborais, ambientais e falou-se ainda no SNS e na pandemia. 

O debate entre os candidatos presidenciais Marisa Matias e João Ferreira, desta sexta-feira, na RTP, arrancou com o candidato comunista a destacar a importância do “trabalho” e das questões relacionadas com o mercado laboral na sua candidatura.

“O trabalho tem de ser mais valorizado”, disse João Ferreira, abordando depois a dificuldade dos jovens em conseguir um primeiro emprego. O candidato do PCP criticou as alterações à legislação laboral, promulgada por Marcelo, e que, na ótica do eurodeputado, expõe os jovens a “vulnerabilidades” no acesso ao mercado de trabalho.

Depois de frisar que as candidaturas de esquerda representam “uma pluralidade interessante” nestas eleições, Marisa Matias foi desafiada a dizer algo que a distingue do adversário, nomeadamente sobre questões laborais, uma questão que João Ferreira considerou que os distingue.

“Sobre questões laborais, não”, disse. “Tenho muitas convergências com o João ferreira, mas também divergências a muitos níveis”, acrescentou, destacando depois algumas das lutas que o BE travou e lembrando que se assinalam 11 anos do casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Não estivemos do mesmo lado nessa altura”, disse a eurodeputada, falando ainda da adoção ou da lei da paridade.

“Mesmo na questão do clima e nas alterações climáticas, temos tido posições diferentes”, acrescentou.

João Ferreira não concordou. “Existem diferenças, mas também não vale a pena inventá-las”, disse, destacando a “conquista enorme” que foi o casamento entre pessoas do mesmo sexo “apoiado pelo PCP”, que já antes tinha começado “uma luta” com a união de facto.

“Também estivemos do mesmo lado quando se tratou de alargar a adoção por casais do mesmo sexo e a procriação medicamente assistida”, disse. "Não vale a pena cavar diferenças onde elas não existem", reforçou.

Já sobre as questões ambientais, o candidato decidiu atacar. “Custa-me um bocadinho ver as questões ambientais e climáticas a ser usadas, não digo que Marisa Matias o faça, como bandeirinha de propaganda ou emblema que dá jeito usar em algumas campanhas”, criticou, defendendo que a sua preocupação nessa matéria foi sempre “abordá-la de forma geral e integrada nas políticas económicas”.

“Dependemos dos combustíveis e não vamos terminar essa dependência em breve”, disse João Ferreira, que afirmou ainda que o PCP condena o encerramento da refinaria de Sines por questões laborais, mas também ambientais.

“Os trabalhadores da refinaria de Sines são os primeiros a querer tecnologia verde”, apontou. “A Constituição conserva uma atualidade tremenda e tem um artigo dedicado ao ambiente onde diz que se deve evitar todas as formas de poluição – o Presidente se quer cumprir a Constituição não pode ignorar este tema”, argumentou ainda.

Também sobre a refinaria de Sines e questionada sobre a descarbonização, Marisa Matias disse que esta é usada como um “slogan vazio, quando o país tem mesmo de fazer a transição energética”.

“Estou muito disponível para discutir projetos reais de descarbonização mas acompanhados de medidas efetivas”, disse, defendendo ainda que no “projeto da refinaria não há nada que permita dizer que há um esforço de reconversão ambiental”. 

O debate avançou e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi o tema que se seguiu. Para Marisa Matias o SNS não é um poço sem fundo, é sim “o pilar da democracia em Portugal”. Para a eurodeputada “o que é preciso é saber para onde vai a despesa em saúde e que 41% do orçamento da saúde vai para os privados”. 

Marisa defende que é preciso “repensar o SNS para que responda a necessidades” atuais e “chegue às populações mais abandonadas”.

“O que tenho pena é que não usemos esta situação se crise para suprir já dificuldades que temos identificadas”, disse, lançado a farpa de que tal teria acontecido “se toda a esquerda tivesse sido mais firme”. 

Questionada sobre se as suas afirmações se referem ao facto de o PCP ter viabilizado o último Orçamento do Estado, ao contrário do BE, Marisa não quis responder, defendendo que não se intromete nas posições dos partidos.

"Em breve o Governo terá de vir mais à esquerda", para resolver esta questão do SNS, avisou.

João Ferreira quis destacar as “razões” para “nos orgulharmos do SNS”, nomeadamente no contexto da pandemia. “A nossa Constituição garante um SNS universal mas há um desinvestimento do Estado”, apontou.

“Como é evidente”, concordou Marisa.

João Ferreira considerou este “desinvestimento” serviu para abrir caminho ao negócio da doença, mas não diminuiu o que o Estado gasta no setor. “Passámos a ter de suportar também o lucro dos que fazem negócio com a saúde”, disse o candidato, deixando depois aquilo que parecia uma crítica ao Bloco de Esquerda, mas que recusou que o fosse.

“Eu valorizo os que não desistem a meio de um combate, e os que conseguem incluir no OE investimento no SNS, contratação de mais profissionais, mais infraestruturas, valorizo muito que tenhamos incluído essas verbas. Não foi suficiente? Estou de acordo”, disse, virando depois a mira para o Governo.

“Nem sempre o que fica do Orçamento é executado”, disse. “Há muita luta para travar fora do OE”, acrescentou.

Marisa Matias decidiu reiterar as palavras de João Ferreira, dizendo que também não gosta “nada de quem desiste, nem a meio nem no fim”.

Mas continua sobre o SNS. Estou “certa e segura de que se toda a esquerda tivesse sido mais firme já tínhamos resolvido estas questões” e que “estas medidas são insuficientes”.

Marisa reforçou que o Governo apresentou ao PCP as mesma propostas que apresentou ao BE, mas que o BE considerou que estas não resolviam os problemas.

O debate terminou com a pandemia. João Ferreira disse que há locais de trabalho que “ainda não tomam as medidas básicas de proteção dos trabalhadores”. “Eu estive em maio junto desses trabalhadores e percebo a importância das medidas de proteção”, defendeu.

Marisa Matias falou da atual situação epidemiológica do país, que classificou de “trágica” e acabou com uma farpa ao PCP, que votou contra o estado de emergência.

“Temos a obrigação de reduzir os contágios e para os reduzir não compreendo como se pode votar contra as medidas que podem ajudar a fazê-lo”, rematou a eurodeputada.