Jerónimos, a Praça do Império e a inocência perdida

Proponho que se refaça o jardim com os brasões e que ao mesmo tempo se faça o museu das descobertas.

Em Belém, naquele bocado da cidade onde se impõe o Mosteiro dos Jerónimos, repousa a parte mais substantiva da nossa história: os restos mortais (crê-se, mesmo sem certeza absoluta) de Luís de Camões estão depositados na ala sul do mosteiro, enquanto Vasco da Gama repousa na ala norte. O maior navegador e o maior poeta portugueses (‘Novos mundos ao mundo irão mostrando’) ali estão unidos para (re)contar a história (e a mitologia) da nossa maior epopeia: os Descobrimentos. 

Defronte temos a praça do Império e, antes do rio Tejo, o padrão dos descobrimentos. Todo aquele chão é sensível, política e historicamente. A polémica da construção do Centro Cultural de Belém em (1988-1992) deveu-se à localização/cotejo com a singularidade do Mosteiro dos Jerónimos. Tudo o que ali se queira fazer, vai fazer levantar o sobrolho dos lisboetas. 

Basta comparar com a situação de se estar a concluir o Museu da Ajuda inacabado (iniciado em 1795) numa obra que custou quase 30 milhões de euros aos cofres da câmara de Lisboa e Associação de Turismo de Lisboa – sem quase se falar no caso e na ausência de celeuma. Mas lá está, Ajuda não é Belém e Belém é chão sagrado.

Acontece que na dita Praça do Império existe um jardim onde em 1961 o regime de Salazar resolveu fazer um trabalho de flores representando as armas e os brasões dos distritos de Portugal continental e insular, das províncias ultramarinas e ainda as cruzes de Avis e de Cristo.

Foi sendo abastardado e negligenciado até que em 2015 começa a ganhar corpo na cabeça de José Sá Fernandes, a ideia de acabar com o Jardim do Império e os seus brasões. O processo foi lento e encontrou sempre o voto contra da oposição na Câmara e na Assembleia Municipal de Lisboa. 

A questão é se devemos manter/refazer um jardim que tem os brasões de cidades que eram portuguesas num contexto colonial. E a questão sejamos francos, é pertinente. Não podemos nem devemos fazer de conta que as coisas não são o que são. 

E como são? Há os extremistas de esquerda, como José Sá Fernandes, que se pudessem, apagavam toda a nossa história, convenientemente revista à luz das boas práticas do século XXI (porque subjugou povos e foi esclavagista). E recorde-se que mesmo Fernando Medina, depois de ter prometido o museu das descobertas aquando das eleições autárquicas de 2017, recuou, com medo da turba do politicamente correto.

Do outro lado, há os extremistas de direita que se pudessem faziam o jardim com os brasões em Belém, e de caminho faziam um museu em Santa Comba Dão e dizem que «antes é que era bom» referindo-se a um país pobre e atrasado que era o nosso. 

Ora, não me revejo em extremos, defendo uma solução respeitadora da História de Portugal que devemos conhecer e divulgar. Proponho que se refaça o jardim com os brasões e que ao mesmo tempo se faça o museu das descobertas. Um museu realista que conte a história dos descobrimentos com o seu cortejo de horrores e que nos interpele como nação e povo. 

Convinha que Fernando Medina ganhasse alguma clarividência: se acabou de meter dezenas de milhão de euros para terminar o Palácio da Ajuda para instalar as joias da coroa (sem nenhum clamor, repito), também nos podia tentar convencer a todos que não é por puro preconceito ideológico que não se podam uns arbustos e se faz o prometido museu das Descobertas.

Com verdade e equilíbrio. Sem ceder a extremistas, sejam de direita ou de esquerda.