É tão detestável o nacionalismo ‘bacoco’ como a total ausência de orgulho nacional.
Na semana passada, Ramalho Eanes, com a autoridade que lhe vem da sua Presidência, da sua carreira e do seu exemplo, condenou os que querem apagar a nossa memória histórica e se dedicam a enxovalhar o passado do país.
Nenhum povo gosta de ver o seu passado ‘emporcalhado’ – mas é o que sistematicamente tem feito uma certa esquerda nos últimos anos.
Ainda agora, na morte do ex-comando Marcelino da Mata, se observou isso: o ponto de vista que tendeu a prevalecer não foi o do lado português mas sim o dos seus inimigos ocasionais.
Aos portugueses, exige-se uma permanente autoflagelação: temos de pedir desculpa pelos nossos erros, pelas mortes que causámos, mesmo em situações em que fomos nós os agredidos e não os agressores.
Deve dizer-se que a demolição sistemática da nossa História e dos nossos heróis tem sido levada a cabo sem uma reação firme por parte da maioria.
Os portugueses parecem ter perdido o orgulho.
Quer em relação à História quer relativamente ao presente.
Para resolver os nossos problemas financeiros temos de contar com a ‘bazuca’ que há de chegar de Bruxelas; e precisámos de solicitar ao estrangeiro ajuda médica porque os nossos profissionais de saúde não chegavam.
Por outro lado, como notou Helena Matos, um país que no tempo da guerra colonial conseguiu em tempo recorde montar um serviço postal militar que distribuía diariamente correspondência por três frentes de guerra situadas a milhares de quilómetros de distância e servia mais de 100 mil homens, não consegue executar sem problemas uma campanha de vacinação aqui no continente.
E hoje há incomparavelmente mais meios do que havia nessa altura, há 60 anos.
A propósito das nossas relações com a União Europeia, vemos os políticos a falar constantemente em «solidariedade» e a criticar os Estados-membros que não se mostram ‘solidários’.
Mas trata-se de um sofisma: Portugal não se bate pela solidariedade, bate-se por uma ajuda financeira, bate-se por dinheiro, bate-se por euros para disfarçar o nosso défice crónico.
Não conseguimos viver com o que produzimos.
Andamos sempre de mão estendida em direção à Europa rica.
Ora, isso é que nos deveria envergonhar – e não o passado.
Para cobrir as nossas despesas, precisamos dos ‘fundos’ europeus resultantes do trabalho de outros povos.
E mesmo assim não nos desenvolvemos, como o fraquíssimo crescimento do PIB mostra com frustrante clareza.
Há muitos anos, no início da década de 80, fui a uma espécie de ‘sessão de esclarecimento’ para jovens sobre a próxima adesão de Portugal à então CEE.
Comigo, na mesa, estava António Barreto – e na assistência reconheci Pedro Pinto, jovem dirigente do PSD.
Ainda sem elementos nenhuns, afirmei que, para a maioria da classe política, a nossa adesão à CEE era encarada como uma forma de recebermos ajuda de Bruxelas.
Não pensávamos em participar no desenvolvimento de uma comunidade: esperávamos que a comunidade nos desse alguma coisita, umas esmolas, para podermos viver um bocadinho melhor.
Hoje, quando falamos em solidariedade, nunca pensamos em sermos nós a dar aos outros – pensamos em receber.
Esta situação é humilhante – e é ela, repito, que nos deveria causar vergonha.
Desde o 25 de Abril, com pouquíssimas exceções, os governos têm-se preocupado mais em gerir o poder do que em desenvolver o país.
Cavaco Silva foi o único que, reconheça-se, conseguiu andar com Portugal decididamente para a frente.
Aí sentiu-se um impulso reformador, uma vontade e capacidade para fazer coisas, um desejo de ação.
António Costa, pese embora o seu engenho político, não é um fazedor, não é um reformador, não é um impulsionador – limita-se a ser um bom gestor do poder.
Tal como António Guterres.
Aliás, no campo socialista, só um primeiro-ministro revelou capacidade empreendedora e gosto pela ação: José Sócrates.
Os outros limitaram-se a ‘manter a bola a bater’, numa curiosa expressão de Jorge Sampaio.
Hoje, em vez de nos preocuparmos em viver com o que produzimos, em vez de procurarmos ter médicos suficientes para tratar os nossos doentes e ter camas suficientes para os deitarmos, andamos enredados em polémicas caseiras, em questões mesquinhas, em ‘causas’ que nos diminuem, que nos ferem o orgulho, que puxam para trás em vez de nos projetar para a frente.
Portugal não precisa de se autoflagelar: precisa, muito pelo contrário, de um assomo de orgulho, de um renascer para a realidade, de fazer das fraquezas forças, de não esperar pelos outros para resolver os seus problemas, de gente que puxe para cima, de governantes empenhados em desenvolver Portugal e não preocupados apenas em tapar buracos, em sobreviver no poder.
Portugal precisa de líderes fortes.
Mas também necessita de um choque mental – que leve os portugueses a terem orgulho e não pena de si próprios, olhando para o seu país com esperança e não como o mendigo da Europa.