A fiscalização para travar eutanásia

Marcelo levou apenas algumas horas para pedir a intervenção do Tribunal Constitucional. E aponta conceitos excessivamente indeterminados na lei, contestada por vários setores da sociedade.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nem esperou 24 horas para submeter o pedido de fiscalização preventiva da nova lei que despenaliza a eutanásia, a chamada morte medicamente assistida. E colocou o pedido no site da Presidência, com oito páginas.

Para Marcelo, a lei prevê «conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar».

O chefe de Estado não pediu especificamente aos juízes do Palácio Ratton para se pronunciarem sobre se a nova lei viola, ou não, o valor inviolável da vida – o argumento mais invocado por quem é contra a lei –, antes optou por pedir a avaliação constitucional de alguns pontos do diploma, designadamente a «situação de sofrimento intolerável» ou a «lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico», ou seja, os tais conceitos excessivamente indeterminados. Além disso, Belém pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre se «a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição» – isto é, se não é inconstitucional o Parlamento delegar matérias de direito, liberdades e garantias em terceiros.

Marcelo tinha oito dias para pedir a fiscalização preventiva da lei e nem esgotou um dia do prazo. Católico confesso, o Presidente será contra a despenalização da eutanásia, mas sempre disse que as suas convicções pessoais não iriam interferir na avaliação que fizesse do diploma. O Presidente poderia ter vetado politicamente a lei (como foi exigido pelo Chega, por exemplo), mas enveredou pela discussão sobre a segurança jurídica da lei. Na sua decisão terá pesado a ideia de que o veto apenas serviria para o Parlamento reconfirmar a lei e o assunto ficaria arrumado, uma vez que foi aprovada com 136 votos a favor, para lá da maioria absoluta (116 votos). Agora, o Tribunal Constitucional tem 25 dias para esclarecer as dúvidas presidenciais e fundamentar-lhe uma decisão. Depois do resultado da fiscalização preventiva, Marcelo tem, depois, 20 dias para promulgar ou vetar a lei e devolvê-la ao Parlamento.

O PSD e o PCP não reagiram à decisão presidencial, mas o PS, um dos autores dos projetos que foram vertidos no diploma, mostrou-se tranquilo, tal como o Bloco de Esquerda. A deputada socialista Isabel Moreira acrescentou que era « impossível fazer uma lei deste tipo sem conceitos indeterminados. O importante é que eles sejam determináveis». O PAN acusou Marcelo de ser «muito conservador nos costumes». Já Telmo Coreia, do CDS, saudou a decisão, lembrando que já se preparava para tentar pedir uma fiscalização sucessiva da lei (que não a suspende), enquanto a Iniciativa Liberal considerou expetável o pedido. Por sua vez, André Ventura, do Chega, defendeu que Marcelo deveria ter feito um veto político, por não ser o momento de discutir o tema. Belém evitou entrar no debate ideológico.