Quando a pandemia acabar, voltamos a ser os mesmos?

A pandemia, o estado de emergência e respetivos confinamentos já duram há demasiado tempo para não provocar mudanças significativas e duradouras nas pessoas.

Estamos todos fartos, cansados e stressados de estar em casa, de trabalhar bloqueados por uma FFP2, de sair à rua como se estivéssemos na clandestinidade. Estamos fartos de estar longe da família e dos amigos, de não celebrarmos os aniversários e não brindarmos aos noivos, de não nos despedirmos dos que partem e de não darmos as boas vindas aos que chegam. Estamos mesmo fartos do vírus, do relatório diário de infetados e recuperados. Mas quando debelarmos a ameaça do vírus, o que mais cedo ou mais tarde vai acontecer, dificilmente voltaremos ao normal, ou seja, à realidade que conhecíamos antes de março de 2020. 

A pandemia, o estado de emergência e respetivos confinamentos já duram há demasiado tempo para não provocar mudanças significativas e duradouras nas pessoas. Dois ou três meses são tempo suficiente para consolidar uma mudança de hábitos. É relativamente seguro afirmar que a pandemia desenvolveu novos hábitos de consumo, o crescimento exponencial da utilização de soluções digitais é um caminho irreversível. Durante os períodos de confinamento evoluímos as nossas competências digitais, descobrimos novas formas de nos relacionarmos e de consumir. Estima-se um crescimento da penetração de internet e do número de compradores online de seis pontos percentuais. Quem já comprava online, aumentou a frequência de consumo três a cinco vezes.

As marcas têm procurado adaptar-se a esta nova realidade. O e-commerce é um dos casos mais evidentes, quem já fazia melhorou a competência dos seus serviços e muitos dos que não tinham este canal passaram a ter. Há casos de grande sucesso como a distribuição alimentar. Claro que há sempre a história da encomenda que veio com o produto errado e das compras que não foram entregues à hora combinada. Mas toda a gente tem pelo menos uma história de uma experiência menos boa no comércio de rua. O facto de estarmos mais exigentes é sinal de uma maior dependência, mas também da crescente utilização e valorização do canal online. 

A democratização do e-commerce tem um impacto evidente e imediato. Se para o consumidor o acesso a um maior número de soluções para quase todas as necessidades é positivo, para as marcas nem por isso. A relação com os consumidores está em grande parte concentrada numa experiência física, nos casos mais sofisticados híbrida. Mudar de paradigma acompanhando o ritmo do consumidor é um enorme desafio, uma impossibilidade para vários negócios.

Automóveis, seguros ou viagens são exemplos fáceis de setores que não se podem transformar no período de um ano, na melhor das hipóteses conseguem entregar um ou outro produto ou serviço. Ainda estamos longe de conseguir imaginar um mundo sem este tipo de serviços e acredito que tão cedo não o conheceremos. Porém, as diferenças hão-se ser muitas.

Durante o confinamento aprendemos a viver com menos e a valorizar mais as necessidades da base da pirâmide. Coisas absolutamente garantidas, como o fácil acesso à alimentação ou a um serviço de saúde, deixou de ser assim tão fácil. O almoço de domingo e o jogo de futebol com os amigos, programas que eram praticamente rotinas, passam a ser atividades muito valorizadas. E apesar do dia continuar a ter vinte e quatro horas, a noção de tempo é completamente diferente quando estamos quase sempre com as mesmas pessoas. Até percebemos melhor que temos livros, filmes ou brinquedos em demasia ao termos tempo para usufruirmos deles e não conseguirmos ler, ver ou brincar com todos.

O principal fenómeno a ditar o comportamento do novo consumidor será o equilíbrio entre medo e confiança. Os otimistas concordam que assim que pudermos vamos querer fazer tudo o que não fizemos, atacando a um o ritmo frenético os centros comerciais, marcando férias o mais longe possível e enchendo salas de espetáculos. Os menos otimistas advogam que nunca mais vamos fazer o que fazíamos como o fazíamos, o medo e a insegurança vieram para ficar e continuaremos de máscara durante muito tempo. Talvez até nunca deixaremos de andar sem uma, nem que seja no bolso, para uma qualquer ameaça. 

Com maior ou menor dose de otimismo, não acredito em festivais e santos populares em junho mas faço fé numas idas à praia nos dias de calor. A covid-19 deixará marcas indeléveis e muitas das coisas que trouxe, certamente, estão para ficar.