Portugueses envolvidos em plano para matar Presidente da Alemanha

A UNCT da PJ realizou, na passada quinta-feira, buscas para localizar suspeitos em Portugal com ligações à extrema-direita alemã que as autoridades acreditam estar a preparar atentado contra Presidente Frank-Walter Steinmeier.

por Felícia Cabrita e João Amaral Santos

As autoridades alemãs estão a investigar ameaças de atentado contra o Presidente da República daquele país, Frank-Walter Steinmeier, organizadas por um grupo de extrema-direita com possíveis ligações a Portugal e pediram a colaboração das congéneres portuguesas, apurou o Nascer do SOL.

O caso está nas mãos da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) que, na sequência de registos de tráfego eletrónico de sites de grupos nacionalistas, localizou suspeitos e efetuou buscas às suas residências na passada quinta-feira. A operação concentrou-se na região da Grande Lisboa.

As autoridades alemãs têm levado muito a sério as ameaças de morte dirigidas a Frank-Walter Steinmeier – do Partido Social Democrata (SPD na sigla em alemão) –, mas que também têm tido como alvo advogados conotados com a esquerda alemã. Nos últimos meses, o registo de ataques do género contra personalidades com posições de combate à extrema-direita têm vindo a acentuar-se. Em julho do ano passado, o semanário Welt am Sonntag noticiava que pelo menos quinze pessoas, entre políticos e jornalistas, receberam ameaças de morte através de mensagens enviadas por e-mail, assinadas pelo grupo Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU 2.0), que matou dez pessoas e fez dois atentados bombistas com motivações racistas, entre 2001 e 2007, antes de alegadamente ter sido desmantelado pelas autoridades em 2011

A operação em Portugal ocorre precisamente na sequência das diligências das autoridades alemãs para travar aquilo que consideram ser um aumento da influência de movimentos de extrema-direita, com ligações a grupos e pessoas localizadas noutros países europeus. O número de «crimes de motivação política» – como são designados na Alemanha – cometidos pela extrema-direita naquele país atingiu o segundo nível mais alto desde 2001 (apenas superado por 2016, ano em que ‘rebentou’ a crise dos refugiados), com o registo de mais de 23 mil casos.

Divulgação da ‘Operação AfD’ levanta o ‘véu’ às autoridades. A investigação surge duas semanas depois de a revista Der Spiegel ter divulgado que o Gabinete Federal de Proteção à Constituição (BfV na sigla em alemão), os serviços secretos federais alemães, decidira, no final de fevereiro, colocar sob vigilância o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que entrou para o Parlamento há quatro anos como principal partido da oposição.

De acordo com a comunicação social alemã, na base da decisão de vigiar a BfV estiveram suspeitas de que o partido estaria a tentar violar a constituição democrática alemã depois de a sua plataforma ter sido analisada durante dois anos.

Na sequência da fuga de informação, a justiça alemã ordenou a suspensão da investigação. O Tribunal Administrativo de Colónia declarou que os serviços federais não «acautelaram suficientemente» o sigilo da operação e considerou que a divulgação do programa de vigilância interferiu de «forma inaceitável» com a legalidade das oportunidades entre partidos em pleno ano eleitoral, embora as autoridades tenham esclarecido que a vigilância não não incluiria deputados e candidatos às próximas eleições regionais e federais – as eleições legislativas na Alemanha estão agendadas para 26 de setembro.

As autoridades suspeitam que a fuga de informação veio do interior dos próprios serviços secretos, o que fez regressar o debate sobre a presença de simpatizantes da extrema-direita no interior das forças de segurança alemãs, apesar das tentativas de ‘limpeza’ entre 2017 e 2020. No ano passado, o Governo de Angela Merkel reconheceu ter identificado 377 extremistas de direita que integravam as fileiras das forças do Estado (319 dos quais na polícia).

Embora a investigação à AfD tenha sido cancelada, o gabinete federal deve manter outras vigilâncias em curso, nomeadamente às filiais da AfD na antiga Alemanha de leste e aos cerca de 35 mil membros do ‘A Asa’, considerado o braço mais radical e neonazi da AfD – o grupo foi oficialmente dissolvido em 2020 mas os seus elementos continuam filiados no partido.

Homicídio de Walter Lübcke desperta ‘fantasmas'. As ameaças de morte contra Frank-Walter Steinmeier surgem quando ainda está fresco na memória dos alemães o homicídio do político conservador alemão Walter Lübcke por este defender o acolhimento de refugiados.

Na noite de 2 de junho de 2019, Walter Lübcke, de 65 anos, membro da União Democrata-Cristã (CDU na sigla em alemão) – o partido da Chanceler Merkel –, encontrava-se tranquilamente a fumar um cigarro no terraço da sua casa em Kassel, Hesse, quando foi atingido com um tiro na cabeça a curta distância, tornando-se o primeiro politico assassinado pela extrema-direita na Alemanha desde o final da Segunda Guerra Mundial.

O autor do disparo foi detido poucos dias depois. Stephan Ernst, de 47 anos era já um velho conhecido das autoridades considerado, desde finais da década de 1980, um simpatizante neonazi potencialmente perigoso. Apesar dos antecedentes – Ernst chegou a tentar incendiar uma casa de acolhimento a famílias turcas com apenas 15 anos –, os serviços de informação do Estado tinham baixado a vigilância nos anos mais recentes.

Stephan Ernst foi condenado em janeiro deste ano a prisão perpétua podendo requerer liberdade condicional após 15 anos de detenção, naquela a pena mais pesada na história do sistema judicial alemão. Markus Hartmann, de 44 anos, também foi a julgamento por ter ensinado Ernst a disparar numa floresta com a arma do crime, embora tenha sempre mantido durante o julgamento a versão que desconhecia as reais intenções do homicida. Hartmann foi condenado a 18 meses de prisão por posse ilegal de arma.