Mais de mil pessoas desesperam por regressar ao Brasil. João Cláudio é uma delas

“Vou tentar entrar na justiça quando chegar ao Brasil. Na hora de comprar a passagem, te carregam no colo, uma maravilha, mas depois tudo muda”, conta o imigrante.

“Estamos a 11km de Lisboa. Vivemos no quarto de um apartamento há dois anos. A situação não está muito legal, não”, começa por desabafar João Cláudio Baroni Revelles, de 54 anos, imigrante brasileiro que integra a lista de 1350 brasileiros, juntamente com a esposa, que desesperam por regressar ao país de origem. Ainda que o número oficial se situe por volta das 350 pessoas, existem outras 1000 que não foram apuradas pelas entidades oficiais mas que, no entanto, narram as suas agruras em grupos de Facebook e de WhatsApp, tentando encontrar uma solução. 

“A gente tem passado uns apertos aqui. Sou mecânico de automóveis, trabalhei numa oficina lá no Algarve durante nove meses. Entrou a pandemia, acabou o sonho de todos. Em dezembro de 2020, comprei a passagem para dia 15 de março. Surgiu a restrição dos voos e o voo foi mudado para dia 18”, lamenta João Cláudio que, apesar de ter voo marcado para dia 5 de abril, não consegue entrar em contacto com a agência online Decolar.com nem com a companhia aérea Azul. “Entro no site, é um robot que fala comigo, e aí eu peço o atendimento de um assistente e mandam uma mensagem a dizer para entrarmos em contacto com o consulado”, diz, referindo-se à última.

Para além disto, importa lembrar que o Governo português prorrogou as restrições do tráfego aéreo até 31 de março, devido à situação epidemiológica do país, continuando suspensos todos os voos, comerciais ou privados, com origem ou destino no Brasil e no Reino Unido. Assim, o imigrante não teve outra alternativa senão apelar ao auxílio dos familiares e esforçar-se por esquecer momentaneamente o dinheiro investido nas passagens marcadas para abril. “Eu, minha esposa e nossa família fizemos uma vaquinha e conseguimos comprar uma passagem para dia 24 de março. Vamos para Amesterdão e, de lá, direto para o Rio de Janeiro. Custou à volta de 700 euros para duas pessoas”, avança, espelhando a situação de centenas de brasileiros que já optaram por viajar através de rotas alternativas.

"O número de brasileiros que precisam retornar ao Brasil só irá aumentar enquanto o Governo não assumir sua responsabilidade frente ao Consulado e Embaixada em solo português, ao prestar assistência à todos os necessitados como fazem os Consulados e Embaixadas de outras nações, que respeitam e reconhecem seus deveres com os seus", declara a jornalista brasileira Roberta A. "Se o Brasil não cuidar desse assunto, muitos mais brasileiros passarão por situação semelhante ou pior pois não terão dinheiro para comprar passagens", adiciona a associada da ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação – e da IFJ – International Federation of Journalists.

"O índice de pobreza e violência aumentará ainda mais em Portugal. É um ciclo. Cabe também ao Governo português interceder junto do Brasil. Deve abrir mais voos da TAP para aqueles que já possuem reserva e quem tem bilhete deve ter prioridade na remarcação", sugere a profissional de comunicação, adiantando que "não deve acontecer aquilo que ocorreu das últimas vezes" e, além disso, "é preciso evidenciar o abuso dos preços das passagens que a TAP colocou a venda, na medida em que não é certo querer se aproveitar daqueles que estão exaustos e não aguentaram mais a situação que se encontram".

A jornalista realça que "essas pessoas chegaram a pedir empréstimos em bancos brasileiros, embarcaram em dívidas astronômicas, mesmo tendo passagens compradas em outras companhias aéreas, e vale lembrar que a TAP foi a única inicialmente autorizada de forma exclusiva a fazer voos 'comerciais humanitários'", sendo que "somente um tempo depois foi anunciado o acordo em que as aéreas Azul e Latam também poderiam operar". "Todos sabemos da triste situação da TAP. Teremos mais voos? Solicito que os responsáveis da empresa TAP, que venham a público imediatamente, e deem explicação à todos que possuem passagens compradas e não conseguem embarcar", pede.

“Estamos de favor no apartamento. Eu não sei como vou proceder. As informações desencontram, a Decolar.com me enviou uma mensagem no WhatsApp desejando boa viagem. E agora pede que responda ao primeiro email que me enviou aquando da compra da passagem. Mas como é que faço isso se o endereço não aceita retorno?", pergunta João Cláudio. "Vou tentar entrar na justiça quando chegar ao Brasil. Na hora de comprar a passagem, te carregam no colo, uma maravilha, mas depois tudo muda”, elucida o homem.

“Porquê a Latam e não a Azul?”, questiona, referindo-se aos voos anunciados pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil que, rececionando variadas questões por parte do i, limitou-se a responder o seguinte na passada sexta-feira: “Os voos ora previstos pela Latam serão realizados em espaço de 2 meses, num contexto de proibição de tráfego aéreo e recrudescimento da pandemia. Trata-se de excecionais 12 voos entre os dois países (6 no trecho Guarulhos-Lisboa, 6 no trecho Lisboa-Guarulhos), com o transporte de cerca de 300 pessoas em cada um dos deslocamentos: nos dias 21/3 (GRU-LIS), 23/3 (LIS-GRU e GRU-LIS), 25/3 (LIS-GRU), 26/3 (GRU-LIS)  e 27/3 (LIS-GRU)”, rematando que “a realização de outros voos, em bases semelhantes, segue sendo discutida pelos dois países”. 

No entanto, Roberta A. tem conhecimento de que a companhia aérea não é de cariz humanitário, mas sim comercial. “O anúncio do Ministério de Relações Exteriores, do dia 15 de março, de que a Latam faria três voos, pegou todos de surpresa. Por motivos óbvios ficámos felizes, claro. Finalmente teríamos mais voos. E dessa vez de outra companhia aérea que poderia atender outras pessoas que possuem reservas desta empresa", admite, não esquecendo, por outro lado, a questão da exclusividade. "Em paralelo algo não soou bem para todos. Porque motivo o anúncio foi feito pela Latam e não também pela Azul? Sabendo que a mesma já possuía planos, já estava preparada e programada para voar e repatriar todos seus passageiros. Qual razão de apenas anunciar os voos e enfatizar a LATAM? Isto porque ambas estavam autorizadas através de despacho do governo português a fazer voos de repatriamento", explica.

Por outro lado, é de salientar que, na passada sexta-feira, a embaixada portuguesa em Brasília anunciou que, a 29 de março, realizar-se-á um voo de repatriamento entre o Brasil e Portugal, partindo de Campinas com destino a Lisboa. "Informa-se que será realizado um voo, operado pela companhia aérea Azul, no dia 29 de março, entre Campinas, S.Paulo (Aeroporto Internacional de Viracopos) e Lisboa, autorizado pelo Governo Português e pelas autoridades competentes em matéria de aviação civil", indicou na rede social Facebook. Os "passageiros interessados e que cumpram os requisitos para embarque" deverão contactar a companhia aérea para proceder à marcação da viagem, de acordo com o órgão anteriormente mencionado. 

"No anúncio dos primeiros voos da TAP, o governo brasileiro publicou uma nota oficial assim como o governo português. No anúncio dos voos da Latam, o governo brasileiro publicou uma nota. Quando a Azul abriu seus voos, o Governo brasileiro divulgou algo? Não!", constata a jornalista, lembrando que a informação foi transmitida através de uma declaração oficial do Governo português. "Qual foi a razão do Ministério das Relações Exteriores não se ter pronunciado e notificado os brasileiros como de praxe? Privilegiaram a Latam e boicotaram a Azul que, finalmente, conseguiu se desviar de mais um escândalo politico envolvendo o Governo do Presidente Jair Bolsonaro e já possui voos marcados para o dia 29 e 30 de Março", diz.

"Que venham novos voos da Azul, Latam e TAP – se a empresa não se sustentar mais, que faça um acordo urgente com as duas citadas. Pessoas de ambos os lados do Atlântico precisam de vocês. Pessoas doentes. Pessoas que perderam famílias para covid-19. Pessoas que estão sem esperança. Surtando literalmente, pois estamos lutando com muitas coisas ao mesmo tempo", apela às três companhias aéreas anteriormente mencionadas. "Que todos tentemos fazer a nossa parte", solicita.

“Eu tenho um aplicativo de rastreamento de voos e, numa madrugada desta semana, percebi que cinco voos da TAP tinham ido para o Brasil, três para São Paulo. Não podem ser cargueiros. E muitos vêm para Portugal também”, explica o imigrante. “Até quando divulgam as fotos dos aviões sem assentos, é tudo jogada. Pesquiso um voo da TAP e vejo que custa 12 mil reais [aproximadamente 1829 euros]. Mas o que é isto? É desumano”, finaliza.