Aeroporto de Lisboa. “Quando tudo melhorar, eu volto”

Célia aguarda 13 horas por um voo de repatriamento, Rosa regressa dos EUA num voo com 60 passageiros, Daniel tenta sobreviver à quebra de serviço dos táxis e Rafael volta com esperança do regresso presencial à faculdade.

Junto aos bancos metálicos da zona das chegadas do aeroporto de Lisboa, na terça-feira, estava Célia Hipólito, de 50 anos, natural de Macaé, município do estado do Rio de Janeiro, no Brasil. “Saí do Porto às 8h30, cheguei mais ou menos uma hora depois, fico aqui o dia todo e só chegarei amanhã”, começa por desabafar a mulher que se viu surpreendentemente integrada no voo comercial de repatriamento entre Lisboa e São Paulo, operado pela Azul Linhas Aéreas, que partiu às 23h20, desta terça-feira, da capital portuguesa com destino ao aeroporto de Viracopos, em Campinas.

“Tendo em conta o estado de emergência e as restrições vigentes em Portugal, somente poderão ingressar no aeroporto os passageiros com bilhetes confirmados pela Azul. Ao final de março, terão sido realizados, mesmo em contexto de proibição do tráfego aéreo e recrudescimento da pandemia, sete voos de Portugal para o território nacional”, informou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil na semana passada, mas a verdade é que Célia podia ter regressado antes.

A brasileira, que está a tirar o mestrado em Engenharia Ambiental, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, comprou uma passagem para o dia 24 de março com o objetivo de auxiliar a mãe que se encontra acamada e estar perto dos filhos, de 23 e 32 anos. No entanto, com o prolongamento das restrições de tráfego aéreo até ao dia 31 de março, que esta segunda-feira foi alargado até 15 de abril, o seu voo foi cancelado.

“Admito que fiquei totalmente chocada quando fui fazer o teste da covid-19, dois dias antes, e, quando decidi dar uma conferida no meu voo, entendi que tinha sido cancelado sem qualquer aviso”, confessa a também professora e catequista que, depois de contactos infrutíferos com a TAP e a Azul, não teve outra alternativa senão pedir auxílio a uma amiga.

“Ela ligou para a filial da TAP de São Paulo. Disseram-lhe que emitiram um aviso para a edreams, a agência de viagens através da qual comprei o voo, e que ela devia ter-me avisado”, recorda, acrescentando que pagou 400 euros pelo trajeto por ter acumulado milhas.

“Quando finalmente consegui falar com a edreams, explicaram-me que haveria mais um voo de repatriamento. Eu perguntei se o senhor tinha a certeza e ele respondeu que não, passando a chamada a outro. É sempre assim”, diz a engenheira em tom jocoso, constatando que a informaram de que viajaria esta terça-feira.

“Não temos direitos. Perguntei à edreams quem é que me vai devolver o dinheiro que gastei, como os 100 euros do primeiro teste covid-19, e disseram-me para fazer queixa pelo site. Eu respondi que falo com seres humanos e não com máquinas”, diz a mulher que não deixa de rematar que “se a situação está má aqui, lá está dez vezes pior”.

Sonhando com o dia em que se tornará professora universitária, almeja avançar para um doutoramento em Ciências da Educação na mesma instituição. “Quando tudo melhorar, eu volto”, garante.

Cerca de 60 pessoas num voo À espera de um táxi encontra-se Rosa Lúcia, de 53 anos, emigrante portuguesa em Newark, no estado de Nova Jersey, nos EUA, há 15. Ainda que tenha partido do país que registou 593 mortes provocadas por covid-19 nas últimas 24 horas – sendo a nação que regista mais óbitos devido ao novo coronavírus e também mais infetados –, além de 64.865 novos casos da doença, de acordo com a contagem independente da universidade norte-americana Johns Hopkins, Rosa teve outros motivos para abandonar o sonho americano. “Divorciei-me e não estava a fazer nada lá. Vim para junto da minha filha e da minha mãe, para Aveiro”, conta, adicionando que “o voo correu muito bem, todas as pessoas foram muito simpáticas”. Mas só contabilizou cerca de 60 passageiros.

“Houve uma quebra brutal” No início de março, a Federação Portuguesa do Táxi afirmou que os taxistas registaram uma quebra de serviços de cerca de 70% a nível nacional, relacionando este panorama com o decréscimo do turismo e a concorrência das plataformas eletrónicas de transporte.

Quem confirma este paradigma negro é Daniel Cerdeira, de 34 anos, taxista há oito. “Houve uma quebra brutal. Estamos ligados aos outros setores da sociedade, somos prejudicados tal como todos”, diz o profissional que chega a transportar apenas um ou dois clientes por dia.

“Nos últimos três, quatro dias, falo com clientes que não negam que vêm para turismo, explicando que há uma grande calmaria no aeroporto”, avança o homem que acredita que “temos de ter esperança de que isto melhore”.

“A polícia está muito mais presente” A puxar o trolley em direção à estação de metro ia o madeirense Rafael Nunes, estudante de Gestão de Informação na Universidade Nova de Lisboa. “Fui para lá no início de fevereiro quando acabou o primeiro semestre”, assevera o jovem que, para entrar no arquipélago, fez um teste à chegada e outro posteriormente.

Segundo informação veiculada pelo Governo Regional da Madeira, a realização do segundo teste à covid-19 justifica-se quando os passageiros permanecem na região autónoma por um período de sete ou mais dias – residentes, migrantes e seus familiares, estudantes que frequentam estabelecimentos de ensino fora do arquipélago ou que se encontram em programas de mobilidade –, tendo que realizar um segundo teste PCR entre o quinto e o sétimo dias após o primeiro, aguardando pelo resultado do mesmo em isolamento profilático obrigatório.

“As diferenças que notei é que a Polícia está muito mais presente”, diz o rapaz que espera voltar ao ensino presencial no próximo dia 19 de abril. “Os aviões continuam mais ou menos vazios”, até porque verificou que existia um lugar de intervalo entre passageiros. “Para voltar para Lisboa não fiz nenhum teste e também não me mediram a temperatura”, conclui.