Será que o beijo que o príncipe deu à Branca de Neve foi consensual?

A cultura de cancelamento parece ter chegado aos filmes de animação da Disney. Para duas críticas norte-americanas, o beijo que o príncipe deu a Branca de Neve representa ideias “antiquadas”.

Depois de em outubro, a Disney+ ter barrado o acesso de crianças menores de sete anos a filmes como Peter Pan ou Dumbo, duas críticas do San Francisco Gate (SFGATE) defendem que o beijo que o príncipe deu a Branca de Neve aconteceu sem consentimento da mesma, apelando a que o final do percurso, na Disneyland da Califórnia, seja repensado e adaptado ao século XXI.

“Um conto de fadas, não uma lição de vida” A Rainha Má transforma-se numa bruxa e cria a maçã envenenada que amaldiçoa a pessoa que a morder com o “sono da morte” que somente terminará se esta receber um beijo verdadeiro. A Branca de Neve, achando que se trata de uma fruta milagrosa que realiza os desejos de quem a come, cai na armadilha e adormece até o príncipe beijá-la.

Este é o enredo que conhecemos do filme Branca de Neve e os Sete Anões, mas não aquele que Julie Tremaine e Katie Dowd, do SFGATE, desejam ver.

Após terem visitado o Snow White’s Enchanted Wish, a diversão que substitui o Snow White’s Scary Adventures, na Disneyland da Califórnia, publicaram o artigo ‘Disneyland’s new Snow White ride adds magic, but also a new problem’ (em português, A nova diversão da Branca de Neve da Disneyland adiciona magia, mas também um problema).

As autoras começaram por explicar que o final do percurso, em que decorre o “beijo de amor verdadeiro” entre os príncipes deve ser alvo de reflexão.

“Um beijo que ele lhe dá sem o seu consentimento, enquanto ela está a dormir, o que não pode ser amor verdadeiro se apenas uma pessoa sabe aquilo que está a acontecer”, redigiram. “Não concordamos que o consentimento nos primeiros filmes da Disney é um grande problema? Que ensinar às crianças que beijar, quando não foi estabelecido se ambas as partes estão dispostas a envolver-se, não está certo? ”, questionaram.

Na ótica das autoras, é difícil entender o motivo pelo qual a Disneyland de 2021 escolheria adicionar uma cena com ideias “tão antiquadas do que um homem pode fazer com uma mulher”, sugerindo que o final devia ser reinventado “de acordo com o espírito do filme e a posição de Branca de Neve no cânone da Disney, mas que evite esse problema”.

“Ainda assim, com as luzes cintilantes ao redor e os lindos efeitos especiais, a cena final é lindamente executada – se a encararmos como um conto de fadas, não uma lição de vida”, sublinharam, evocando, de certo modo, a cultura de cancelamento, que constitui uma forma de boicote envolvendo um indivíduo (geralmente, uma celebridade) que se considera ter agido ou falado de maneira questionável ou controversa, mas também formas de arte.

 

Disney reage a polémica

Jim Shull, diretor criativo da Walt Disney, manifestou-se no Twitter. Embora admita que, por vezes, as normas culturais mudam e isso pode significar a necessidade de olhar para as histórias tendo em conta um contexto diferente, aponta, como tantos outros utilizadores da rede social anteriormente mencionada, que a diversão é baseada num filme que tem mais de 80 anos

“Permitindo que mudanças culturais ocorram ao longo de décadas, deve reconhecer-se que, no contexto do conto em que o filme se baseia, o passeio é preciso. É claro que as pessoas podem não gostar da história, mas a equipa criativa fez um trabalho espetacular!”, esclareceu.

Recorde-se que o filme em questão foi lançado em 1937 e foi a primeira longa-metragem da Disney, tendo sido criada a partir da adaptação do conto A Branca de Neve, dos Irmãos Grimm, de 1812.

o desconforto provocado pela adaptação portuguesa “Que imprudente ideia, a do príncipe, ter interrompido ‘Branca de Neve’ no melhor dos sonos e, com um beijo que ela negará sempre, retirá-la do caixão de vidro para a restituir à vida, isto é, à carne, e arrogar-se direitos sobre ela” poderia ser um excerto do artigo de Tremaine e Dowd, mas é a sinopse do filme Branca de Neve, lançado em 2000 pelo cineasta João César Monteiro.

À época, a ausência de imagens durante quase todo o filme causou estranheza aos espetadores que também não compreendiam como é que o produtor, Paulo Branco, havia recebido 130 mil contos (650 mil euros) de subsídio do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia juntamente com 26 mil contos (130 mil euros) da RTP.

Fazer um filme a preto e branco parece não ter constituído uma opção artística, mas sim o produto de “problemas técnicos” por João César Monteiro ter alegadamente coberto a objetiva da câmara com o sobretudo dando ordem para filmar. Por outro lado, há quem diga que levou a cabo tal decisão para se vingar de Paulo Branco.