Costa contra Costa

Os governantes ‘problemáticos’ – Marta Temido, Eduardo Cabrita, João Galamba – servem às mil maravilhas ao primeiro-ministro. Porque o protegem. Enquanto as pessoas disparam sobre Temido, Cabrita ou Galamba, António Costa está a salvo.

O presidente do FC Porto, Pinto da Costa, depois dos festejos do título do Sporting, garantiu que cenas como aquelas não iriam, «de certeza absoluta», acontecer na cidade do Porto, por ocasião da final da Champions, classificando como «uma vergonha» o que se passara em Lisboa.

Entretanto, antes e depois da final da Champions, tiveram lugar cenas de pancadaria no Porto, confrontos com a Polícia, gente sem máscara aos magotes nas ruas…

Pinto da Costa fora desmentido pela realidade.

Irritadíssimo, apontou o dedo à diretora-geral da Saúde (muita pancada tem levado esta senhora…) e a outros responsáveis da área, convidou o primeiro-ministro a demiti-los (citando Humberto Delgado) e finalizou dizendo que, se António Costa não os quiser demitir, deve demitir-se ele.

Compreende-se o incómodo do presidente do FC Porto.

Mas ele já tinha idade para saber que ninguém pode dar garantias sobre aquilo que não controla.

Assim, antes de ter criticado a festa do Sporting, Pinto da Costa deveria ter esperado pela Champions.

Se tudo corresse bem, diria no fim: «Comparem o modo civilizado como as coisas se passaram no Porto com o caos que aconteceu em Lisboa».

Só que fez o contrário: em lugar de esperar, falou antes de tempo.

Espalhou-se.

E para disfarçar o passo em falso, disparou na direção do Governo.

Sucede que Pinto da Costa não quer a demissão de ninguém (ele sempre apoiou o PS); e António Costa está satisfeito com o que tem.

Os governantes ‘problemáticos’ – Marta Temido, Eduardo Cabrita, João Galamba – servem às mil maravilhas ao primeiro-ministro.

Porque o protegem.

Enquanto as pessoas disparam sobre Temido, Cabrita ou Galamba, António Costa está a salvo.

Quem pagou as favas pelos incêndios de Pedrógão? António Costa? Não: a ministra Constança Urbano de Sousa.

Quem pagou as favas pelo roubo de Tancos? António Costa? Não: o ministro Azeredo Lopes.

Quem pagou as favas pelos festejos do Sporting? António Costa? Não: o ministro Eduardo Cabrita e o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.

Quem tem pago as favas pelos mortos da covid? António Costa? Não: a ministra Marta Temido e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas.

Costa tem usado estas pessoas como escudos – e convém-lhe mantê-las no Governo pois são ‘tumores’ de fixação.

Enquanto os comentadores estão entretidos a criticá-los, Costa vai ficando a salvo.

Esta tática permitiu ao primeiro-ministro chegar aqui com uma popularidade apreciável.

Mas, simultaneamente, a imagem do Governo foi sendo muito prejudicada.

Costa poupou-se, mas o Governo desgastou-se.

Com uns ministros queimados e outros desaparecidos, o Governo já praticamente não existe.

Ora, isto tem consequências.

Até porque estamos a chegar a um momento crítico.

Os governos em geral duram seis anos.

José Sócrates estava forte ao fim de quatro anos no poder, ganhou as eleições à vontade, e ao fim de seis anos estava a demitir-se.

António Guterres parecia bem de saúde, tinha ganho as eleições com larga margem (falhando por uma unha negra a maioria absoluta), e ao fim de seis anos caía.

Ora, António Costa completa em novembro seis anos no poder.

Mas há alguma alternativa? – perguntar-se-á.

Esta direita que ainda agora se mostrou tão desunida e falha de ideias será alternativa de Governo?

A questão está mal posta.

Como se sabe, não são as oposições que ganham o poder – são os Governos que o perdem.

E se o Governo socialista cair, toda a realidade mudará.

Os raciocínios que possamos agora fazer sobre a união ou desunião das direitas deixarão de ter valor.

Para já, o que pode objetivamente dizer-se é isto:

– O Governo está desgastado e aproxima-se do fim do ‘prazo de validade’;

– Os partidos da direita, embora confusamente, têm-se aproximado.

Ora, perante este quadro, o meu instinto político diz-me o seguinte:

Se dentro de uns meses tivermos eleições, e todos os partidos concorrerem isolados, o PS ganhará facilmente e a esquerda voltará a estar em maioria no Parlamento;

Se, pelo contrário, os partidos da direita conseguirem unir-se num grande bloco, atrás de uma liderança forte, esse bloco ganhará as eleições e disporá de maioria para governar.

Mas quem poderá garantir essa ‘liderança forte’?

Julgo que não deverá ser o líder de nenhum dos partidos dessa área: nem Rio, nem Ventura, nem Rodrigues dos Santos, nem Cotrim Figueiredo.

Terá de ser alguém de fora.

Eventualmente Passos Coelho, embora os regressos raramente deem bom resultado.

Mas Passos tem por si a vantagem de ter ganho as eleições que disputou com António Costa.

E, sendo certo – como já mostrou – que não é forte a fazer oposição, tem experiência de governo e poderia ser um bom ‘federador’ de um conglomerado de partidos alternativo ao poder socialista.

A ver vamos, como diria o cego.

Os próximos meses serão decisivos.