Quem tem medo de Salazar?

O ‘mito salazarista’, se existe, é provocado por uma certa incapacidade dos políticos da democracia e pela diabolização que a esquerda faz do Estado Novo

Há quinze dias, sem que ninguém desse por isso, passou mais um aniversário sobre o movimento militar de 28 de Maio de 1926. O 95º. Dentro de cinco anos fará um século.

Muitos apresentam-no como «uma revolta fascista», que levou Salazar ao poder. Nada mais falso. Tratou-se de um movimento do Exército sem ideologia definida, integrando muitos republicanos convictos, que tinha como denominador comum a ideia de que a República estava esgotada.

Mas não se pense que esta ideia era exclusiva dos militares ou, mesmo, da direita. A maior parte dos grandes vultos da República, desde António José de Almeida a Teixeira Gomes, passando por José Relvas, Brito Camacho ou Cunha Leal, tinha chegado a essa conclusão. Mesmo os que combatiam a ditadura militar concordavam em que, se a República voltasse, não poderia ser igual ao regime que vigorara entre 1910 e 1926. O próprio Afonso Costa – pasme-se! – o achava. 

Acontece que, uma vez derrubada a República em 28 de Maio, não havia um programa para a nova situação. E entre 1926 e 1928 foi a balbúrdia, com as finanças a desregularem-se ainda mais, numa espiral suicida. E foi aí que foram buscar Salazar a Coimbra, que com uma série de artigos na imprensa se tinha constituído numa espécie de figura providencial. Era verdadeiramente ‘O Desejado’.

Mas atenção: depois de empossado no Ministério das Finanças, Salazar irá manter guerras de vida ou de morte com certos setores militares. E só o medo de que as finanças andassem para trás obviou a que não fosse sumariamente demitido. 

Salazar é o caso raro de um político que não fez tropa e que se impôs aos militares que detinham o poder mercê das suas convicções e do ‘milagre financeiro’ que conseguiu.
Os militares não ofereceram o poder a Salazar: ele conquistou-o, vencendo sucessivos braços-de-ferro com generais e coronéis.

Um dia destes, uma pessoa de esquerda indignava-se contra o «mito salazarista», dizendo que é preciso pôr a História no seu lugar. Ora, passa-se exatamente o contrário: desde o 25 de Abril o salazarismo é apresentado como «a longa noite», Salazar é descrito quase como um criminoso, e o seu regime é apelidado de «fascista».

Num programa recente de televisão, uma autoproclamada ‘historiadora’ indignava-se contra a tentativa de «reabilitação do fascismo», dizendo que Salazar «matou e torturou milhares de pessoas».

Ora, com este tipo de afirmações não se convence ninguém. O ‘mito salazarista’, se existe – e pelo menos existe um fascínio por Salazar, cujas biografias se vendem como pãezinhos quentes –, é provocado por duas coisas:

1 – Por uma certa incapacidade dos políticos da democracia, que não conseguem resolver problemas que são importantes para as pessoas;

2 – Pela diabolização que a esquerda faz do Estado Novo, suscitando curiosidade em saber como efetivamente era.

Ora, a verdade só se pode repor com… a verdade. 

E a verdade é que o Estado Novo tinha coisas más e coisas boas. Entre as coisas más, cite-se à cabeça a falta de liberdade. E para a impor existia a censura, a famigerada PIDE, as perseguições e as prisões políticas. Cite-se ainda, na parte final, a incapacidade para resolver o problema colonial.
Entre as coisas boas, refira-se a capacidade que teve inicialmente para reconstruir o Estado, impor ordem nas finanças e nas ruas, recuperar a economia e levar a cabo um programa único de obras públicas, incluindo estradas, barragens, escolas, hospitais e tribunais.

A Primeira República, de que tanta gente se dizia saudosa no tempo do Estado Novo, era a materialização do caos. Havia revoltas constantes, uma instabilidade política louca (três governos por ano, em média), um país retalhado em fações, bandos de civis armados a fazer de polícias, cenas indecorosas no Parlamento, total ausência de autoridade, um Estado em ruínas.

Por ter acabado com isto, Salazar teve de início um sucesso imenso. Foi idolatrado como um deus. E depois evitou com uma política hábil a entrada de Portugal na 2ª Guerra Mundial, ao contrário dos líderes da República, que tinham feito gala em envolver o país na 1ª.

Esta é a verdade. Falando de mortos, enquanto uma revolta no tempo da República poderia fazer 50 mortos numa noite, durante o Estado Novo houve 50 comunistas que morreram nas prisões em quase 50 anos. E, ao todo, terão morrido entre 80 e 100 presos ‘antifascistas’. É muito. Mas não tinha qualquer comparação com o passado.

Para repor a verdade sobre o Estado Novo, é preciso falar verdade… Publiquei recentemente uma história dessa época em três volumes, onde procurei isso mesmo: contar a verdade. Sem preconceitos. Partindo para a escrita com uma cabeça limpa, destruí mitos, tanto da direita como da esquerda. Não vale a pena apresentar Salazar como um santo, que não foi, como também não é correto apresentá-lo com um demónio, que também não foi. Dizer que o Estado Novo matou e torturou milhares de pessoas é objetivamente mentira: não é assim que se repõe a verdade.

E para enterrar o ‘mito salazarista’ é preciso uma coisa: que os políticos atuais façam melhor do que têm feito. Tenham mais em conta o interesse nacional, em vez de andarem a reboque de ideologias de moda. Sejam imunes à corrupção. Gastem bem o dinheiro dos contribuintes e não o destruam de forma criminosa ou pouco avisada como aconteceu na PT ou no BPN e está a acontecer na TAP, no Novo Banco, etc. Sejam capazes de manter a autoridade nas escolas e a qualidade do ensino.

Se se falar verdade sobre o Estado Novo, e os políticos de agora estiverem à altura das circunstâncias, não haverá nenhum ‘mito de Salazar’.

Aliás, o salazarismo é irrecuperável, é um objeto de museu, e Salazar é uma figura da História que não voltará. Teve o seu tempo, que importa estudar seriamente. Mas esse tempo passou. 

Salazar e o salazarismo não metem hoje medo a ninguém. Ou melhor: só podem meter medo àqueles que não têm a consciência tranquila e, por insegurança, estão sempre a ver inimigos atrás de cada esquina da História.