“Tivemos oportunidade de evitar isto”

O verão começa incerto à boleia da variante delta. Jogo Portugal-Bélgica será dos de maior risco até aqui no Euro 2020. Depois de Lisboa, Algarve passou ontem a barreira dos 240 casos por 100 mil habitantes. 

Depois das previsões mais otimistas, o discurso volta a ser de cautela, com a Europa a ver um verão que se prometia de mais viagens e retoma turística a parecer menos previsível a médio prazo. Desliza-se sobre «fino gelo» na batalha contra pandemia, disse esta semana Angela Merkel, que entrou numa troca de galhardetes com António Costa sobre os riscos corridos na final da Champions. O primeiro-ministro respondeu que a situação em Portugal não resulta do jogo no Porto, até porque é em Lisboa e Vale do Tejo que se regista a maior prevalência da variante delta, agora acima dos 70%. No Porto, no entanto, é também agora superior a 20% e não foram divulgados dados concretos sobre movimentações e introduções – o próprio Reino Unido não divulgou quantos indivíduos testaram positivo à covid-19 após o regresso. Independentemente dos efeitos diretos e indiretos das festas do futebol no comportamento do vírus e de quem assistiu ao sonho de verão dos ingleses no Porto, o facto é que Portugal vai na frente em termos de prevalência da variante delta na UE, repetindo o que aconteceu no Reino Unido, em que a variante 60% mais transmissível se tornou dominante num mês. E se o contágio parece certo, um dos caminhos parece ser tentar abrandá-lo e ganhar tempo para vacinar.

A Alemanha anunciou ontem que vai proibir viagens não essenciais para Portugal e o Reino Unido também não tem no horizonte o regresso do país aos corredores verdes, tendo aberto uma exceção para a Madeira. Aqui ao lado, Espanha manteve as fronteiras abertas mas um dos momentos de risco será este fim de semana o Portugal-Bélgica em Sevilha, que já é também das regiões de Espanha com mais casos. Em Espanha, o último ponto de situação feito esta semana pelas autoridades é de que a variante delta representa 4% dos casos e já existe transmissão comunitária, com uma das regiões, que não revelou, com três surtos ligados a esta variante. E se as mesmas ligações que se fazem entre Reino Unido e Portugal poderão fazer-se mais tarde entre Portugal e o país vizinho.

O alerta esta semana do Centro Europeu de Controlo e Prevenção e Doenças é que se a variante está agora a instalar-se, será dominante no resto da UE até agosto, tendo avisado os países que se relaxarem medidas não farmacológicas (máscaras, distanciamento, etc) com o atual nível de cobertura de vacinal, as projeções apontam para uma onda idêntica à do outono do ano passado. O Nascer do SOL tentou perceber junto do ECDC que impacto estimam que o Euro, onde se espera a movimentação de 460 mil espetadores, tem nesta dinâmica, não tendo tido resposta. O organismo está no entanto a avaliar semanalmente eventos epidemiológicos associados ao Euro 2020 e até esta semana não tinha havido nada de relevante a reportar. O único caso que veio a público não foi reportado pelo ECDC mas revelado pelas autoridades de saúde dinamarquesas, que reportaram três casos de variante delta detetados em Copenhaga entre adeptos que estiveram no Dinamarca-Bélgica. O ministro da Saúde Magnus Heunicke fez um alerta chamando a atenção de que 4000 pessoas se sentaram perto destes cinco indivíduos.

 

Há mais doentes em UCI em Portugal do que há um ano

Sem muitas certezas sobre como evoluirá a situação, o que é certo é que em Portugal o verão está a começar com um maior risco de infeção do que há um ano. Testa-se mais, mas o número de doentes internados supera o que havia na altura.

Na última semana de junho de 2020, Portugal estava com uma incidência cumulativa a 14 dias de 48 casos por 100 mil habitantes e esta sexta-feira, calculou o Nascer do SOL a partir dos dados da DGS, chegou aos 150 casos por 100 mil habitantes, o que é neste momento a incidência mais elevada da UE, seguida de Espanha também acima dos 120 casos por 100 mil habitantes.

Nos hospitais do SNS havia 457 doentes internados com covid-19, 67 em cuidados intensivos. Agora até são mais: ontem o boletim da DGS dava nota de 431 doentes internados nos hospitais, 108 em cuidados intensivos. Apesar da vacinação proteger os mais idosos, o aumento da incidência traduz-se já em mais hospitalizações. Em termos de óbitos, têm sido menos: em junho de 2020 morreram 155 pessoas infetadas e este ano contam-se 56 mortes, mas são já de novo mais do que as 49 vítimas mortais associadas à covid-19 no mês de maio. Continuam a ser os meses com menos mortes associadas à covid-19, mas as projeções do ECDC admitem que mantendo-se esta trajetória, nas próximas quatro semanas os óbitos deverão duplicar em Portugal, que caminhará para uma média de mais de 2200 casos por dia, com um intervalo de incerteza que vai dos 7 mil casos/dia (pior cenário) ao país regressar a uma média de 600/800 casos por dia.

Na Área Metropolitana de Lisboa nota-se nos últimos sete dias uma desaceleração do aumento de casos, mas a tendência continua a ser de subida e na próxima semana praticamente todos os concelhos da AML deverão passar a ter horários de fecho às 15h30 ao fim de semana. O Governo manteve a estratégia e só ao fim da segunda semana consecutiva acima de 240 casos por 100 mil habitantes há recuos, o que agora é o caso na maioria dos concelhos da AML. Por outro lado, o Executivo deu folga para as saídas da AML mediante a apresentação de certificado de vacinação completa, recuperação ou teste negativo, o que vai implicar mais movimentações mas à partida com menos risco de infeção, embora a proteção da vacina não seja de 100% em nenhum dos casos.

Nos últimos sete dias, há uma desaceleração ao aumento de casos em Lisboa, mantendo-se no entanto a subida. A subida mais forte regista-se na região do Algarve, que passou ontem também a barreira dos 240 casos por 100 mil habitantes. E em metade do tempo de Lisboa, onde a epidemia está a crescer desde 9 de maio, 43 dias. No Algarve, a tendência de subida começou há 24 dias. Ao Nascer do SOL, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes admite que não é possível estimar um pico. «O que podemos dizer neste momento é que podíamos ter evitado isto. Ao longo do mês de maio, apesar de os números estarem a subir, o que se ouviu de altos responsáveis, nomeadamente da área da saúde, foi desvalorizar, porque está quase tudo vacinado, porque temos de voltar ao normal», lamenta. Carmo Gomes concorda que este verão na Europa pode ser idêntico em termos de dimensão da onda ao outono passado, esperando menor mortalidade, mas impacto em termos sociais e turísticos. «Perdemos a oportunidade de aprender, temos quatro milhões de pessoas que ainda podem ser infetadas, pessoas que socializam muito e que estão comportamentos mais relaxados. Os jovens nas universidades recusam-se a fazer testes», exemplifica. «Penso que os números vão continuar a subir, tenho esperança que haja uma altura em que a vacinação comece a travar a subida. Agora não sei exatamente quando isso vai acontecer. Podemos fazer projeções, é fácil ajustar curvas, dizer que seria em julho, mas são projeções baseadas no pressuposto de que tudo continua como está. As escolas fecham, as crianças vão passar a estar mais com os pais, no ano passado isso foi bom, mas as pessoas estavam com medo e tinham cuidado e agora além de não terem a transmissibilidade é maior».