A derrota com a Bélgica nos oitavos de final do Europeu de futebol foi cruel. Cruel sobretudo para os jogadores, que foram abnegados, lutaram, deram tudo pela Seleção Nacional. E também para o treinador, Fernando Santos, que sofreu com eles, arriscou, fez o que era humanamente possível para não perder o jogo.
Mas dito disto, é preciso acrescentar que nesta fase final do Europeu não nos apresentámos como uma equipa grande: jogámos quase sempre como uma seleção pequenina, que tenta mais ‘controlar o adversário’ do que ‘dominar o adversário’. Eu sei que é a filosofia de Fernando Santos, que constantemente repete a expressão «controlar o jogo». Passar para o lado, passar para trás, voltar a passar para o lado: raramente a Seleção joga ousadamente para a frente, em progressão, com o sentido na baliza adversária.
Enquanto outras seleções trabalham a gasolina super, a nossa parece trabalhar a gasóleo.
Mesmo a 1ª parte do jogo com a Bélgica foi boa para adormecer os adeptos no estádio e os telespetadores em casa. Quer do lado de Portugal, quer do lado da Bélgica. Futebol rendilhado, muitos passes, pouca objetividade. Só me lembro de um guarda-redes fazer uma defesa: o belga, e mesmo assim em consequência de um livre e não de uma jogada corrida.
Depois do golo, sim: tentámos tudo. Os jogadores esfarraparam-se. Embora as jogadas fossem em geral feitas mais em esforço do que marcadas pela clarividência.
Mas deixemos esse jogo e vamos para trás. Ganhámos claramente à Hungria, mas com alguma felicidade. O golo que desbloqueou o jogo resultou de dois ressaltos. E contra a Alemanha fomos positivamente atropelados. É raro ver-se uma equipa dominar tão facilmente outra como a Alemanha dominou Portugal nesse encontro. Marcou quatro golos mas poderia ter marcado sete ou oito. Foi um massacre. Depois, contra a França, melhorámos bastante, mas empatámos com dois penáltis caídos do céu aos trambolhões. Não me recordo de o guarda-redes francês ter feito uma única defesa.
E assim nos qualificámos para a fase seguinte. Em 3º lugar no grupo, ou seja, penúltimo. Mas já éramos os maiores, íamos ser campeões, nada nos podia deter. Ronaldo era ‘o melhor do mundo’, uma ‘lenda’, um ‘mito’, batia recordes sobre recordes. Ora, a verdade é que Ronaldo verdadeiramente não se distinguiu em qualquer dos quatro jogos que jogou. Marcou cinco golos, é certo, mas três foram de penálti, num teve só de encostar, e outro, sim, foi bem marcado. Eu diria que fez um Europeu entre o medíocre e o sofrível.
Não se percebe, aliás, porque tem de ser ele a marcar todos os livres da Seleção. Vi num destes dias uma estatística sobre o tema, e Ronaldo estava pessimamente classificado. Precisa de muitos jogos e muitos livres para conseguir um golo. Assim, por que razão não são outros a marcar, até porque temos magníficos executantes no plantel: Raphaël Guerreiro, Bruno Fernandes, Sérgio Oliveira, Ruben Neves? Neste último jogo, um comentador dizia que «livre de Ronaldo rima com golo». Os comentadores não poderiam ser um pouco mais comedidos, um pouco mais isentos, até um pouco mais profissionais?
E, já agora, o que dizer dos políticos? Não sou dos que afirmam que o futebol não tem importância. Tem e muita. Pelas fortunas que movimenta e pelas paixões que desencadeia. Poucos fenómenos há que despertem sentimentos tão intensos.
Agora, quem criticou Salazar por usar politicamente o futebol, como pode excitar-se ao ponto de mandar todos os portugueses para Sevilha, em plena pandemia? E justificar-se-ia tanto palavreado do Presidente da República sobre o assunto?
Se fosse uma final, ainda se admitia alguma intervenção da classe política. Mas tratava-se dos oitavos de final!
Acabo como comecei. Lamento a derrota pelos jogadores e por Fernando Santos – embora não goste do tal futebol de ‘controlo do jogo’ que este implantou na Seleção.
Lamento igualmente as prestações de jornalistas e de comentadores desportivos, que – com poucas exceções – foram de um nacionalismo bacoco que chegou a envergonhar.
Deploro de uma forma geral as intervenções dos políticos.
Mas, tudo somado, o fervor de jornalistas, o frenesim dos políticos, a excitação dos adeptos quando a competição ainda ia no início e não tínhamos dado grandes provas, serviu para mostrar que hoje em dia nos contentamos com pouco. Com muito pouco.