por Elsa Severino
Domingo, 13 de junho – Dia de Santo António.
Inaugurou-se uma zona verde, inacabada, na Praça de Espanha, com a atribuição do topónimo ‘Parque Gonçalo Ribeiro Telles’. Estiveram presentes Fernando Medina, presidente da autarquia lisboeta e José Sá Fernandes, vereador dos Espaços Verdes da cidade. A grande ausência seria a de Manuel Salgado, anterior vereador do Urbanismo e Reabilitação Urbana da CML, corresponsável pela Unidade de Execução da Praça de Espanha, cujo âmbito vai muito para além deste jardim, e que representa uma das maiores operações urbanísticas da cidade de Lisboa.
Antecedentes: Em reunião de 19 de dezembro de 2012, a Câmara aprovou, no âmbito da Proposta n.º 935/2012, delimitar a Unidade de Execução da Praça de Espanha (UEPE), onde se lê: «Para além da proposta de implementação de um Parque Urbano de escala citadina (3,50 hectares) e da reestruturação da rede viária, a UEPE propõe ainda a execução de operações urbanísticas que acolham os interesses públicos e privados em presença».
Segundo informação publicada prevê-se cerca de 71000m2 de construção, para uso terciário (a nascer no antigo mercado azul) com edifícios que podem chegar aos 14 pisos, e parcelas ao longo da Avenida dos Combatentes, que variam entre 5 e 8 pisos, destinados à habitação. Também é do conhecimento público que, no mesmo espaço do antigo ‘mercado azul’, será construída uma nova unidade do Instituto Português de Oncologia e a nova sede do grupo Jerónimo Martins. No local do restaurante Gôndola, entretanto demolido, surgirá a nova sede do Montepio. Estamos em presença de uma coroa edificada em torno de um jardim.
O Parque
Este novo parque urbano resultante da alteração viária que dará suporte a esta ‘nova periferia urbana’ tem bastante mérito. A composição é muito feliz, da autoria do paisagista José Veludo, e a ligação à Gulbenkian através de uma passagem superior, estimulando a circulação pedonal, é uma ideia brilhante. O parque beneficia também de uma forte centralidade urbana, com uma envolvente Museológica, da Academia e Hospitalar (IPO), além de estar próximo a teatros (Comuna e Teatro Aberto).
Obviamente que esta intervenção paisagística veio dar um novo sentido à descaracterizada Praça de Espanha, mas não podemos esquecer a operação urbanística que irá nascer após a conclusão do designado ‘Parque Gonçalo Ribeiro Telles’, o que tornará a cidade mais densificada, mais terciária, e menos ‘acessível’ ao nível da oferta da habitação.
O sonho de Ribeiro Telles? Os sonhos de Ribeiro Telles…
Associar a figura de Gonçalo Ribeiro Telles (GRT) a este parque é uma homenagem ao ambientalista, mas também um aproveitamento político do Homem e da sua Obra. Sabemos que o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, Prémio Valmor em 1975, esse sim, sempre ocupou «um lugar especial na memória afetiva e profissional» de GRT, e que Lisboa foi a cidade que elegeu como palco das suas lutas ambientais.
Defendeu a humanização da cidade, uma melhor qualidade de vida para todos, em presença da natureza, um urbanismo a pensar nas pessoas, tanto nos bairros históricos, ou nas zonas de expansão. O Plano Verde de Lisboa, por si coordenado até 2002, deixou as bases para uma ‘Estrutura Ecológica Fundamental’ para a cidade, pois a circulação da água em meio urbano era uma das suas preocupações.
A defesa em conjunto com Caldeira Cabral, do corredor verde, desde a Avenida da Liberdade até Monsanto, foi a sua maior causa ecológica, mas também humanista, porque sabia da escassez de espaços verdes na cidade. Sabemos agora que o jardim na Praça de Espanha não «faz a ligação a Monsanto», conforme é noticiado, nem tão pouco resolve a questão da drenagem natural nesta zona da cidade.
O Plano Verde de Lisboa não se pode resumir a ciclovias, ao ‘eixo central’ pejado de mobiliário urbano, a urbanizações para ricos, a um despovoamento dos bairros históricos, para dar origem a alojamentos turísticos. Este não foi o modelo de cidade de GRT. Podemos atribuir o seu nome a jardins, que ‘escondem’ uma grande operação imobiliária, mas na verdade não estamos a perseguir os seus ideais; nos idos anos oitenta GRT escrevia que os «políticos caiem frequentemente nas malhas de interesses especulativos, apoiados por uma falsa imagem de progresso urbano».
Segundo Eduardo Lourenço, a sua (de GRT) «poiética da natureza» forjou um homem a quem o país respeita, mas a quem os políticos nunca tiveram capacidade (ou compreensão) para dar corpo às suas políticas ambientais, que nos teriam levado para outro patamar de desenvolvimento.