O regime está podre?

Cabrita, Marta Temido, etc., têm vindo a funcionar para o Governo como abcessos de fixação, impedindo que a infeção atinja o primeiro-ministro.

Nos últimos meses, através de emails ou até de interpelações de desconhecidos feitas em locais públicos, têm-me dito com alguma frequência: «O regime está podre».

Não gosto da expressão, pois a palavra ‘podre’ é para mim demasiado forte.

E sugere a necessidade de uma intervenção musculada.

Prefiro dizer que estamos num pântano.

Julgo que, à direita e à esquerda – embora de maneiras diferentes –, cresce essa sensação.

É claro que isto tem que ver também com a pandemia.

Até porque entrámos num período em que o Governo parece já não saber como lidar com o vírus.

Estamos num pára-arranca, confina-desconfina, que só terá como consequência eternizar a doença.

Que não matará a pandemia mas matará a economia.

De dia para dia veem-se mais empresas a fechar, mais gente a necessitar de apoio, mais desemprego (algum encapotado).

E quando as moratórias acabarem, quando os apoios do Estado se esgotarem, nem imagino o que será.

E, entretanto, os bancos, com os calotes que vão sofrer, muito dificilmente aguentarão.

A dívida pública vai continuar a subir e o défice público idem.

Dir-se-á que a bazuca vai resolver muitos problemas.

Resolverá alguns.

Só que, em vez de contribuir para reforçar a nossa estrutura produtiva, como seria necessário, vai servir para tapar buracos.

Mais uma vez não sairemos da cepa torta.

E depois há o desgaste do Governo. António Costa tem usado alguns ministros como ‘escudo’ – como escrevi há semanas – ou como ‘abcessos de fixação’.

Antigamente, quando um doente tinha uma infeção grave, os médicos criavam artificialmente um abcesso destinado a absorver e concentrar os elementos infetados; depois removiam o abcesso e acabavam com a infeção.

Cabrita, Marta Temido, etc., têm vindo a funcionar para o Governo como abcessos de fixação, impedindo que a infeção atinja o primeiro-ministro.

E assim, desde o início, Costa tem sempre escapado ao que corre mal.

Safou-se de culpas nos incêndios, que chamuscaram Constança Urbano de Sousa; safou-se de responsabilidades em Tancos, que tramaram Azeredo Lopes; safou-se de críticas na pandemia, que desabaram sobre Graça Freitas e Marta Temido; safou-se de acusações na morte do ucraniano, que foram atribuídas ao SEF e a Eduardo Cabrita; safou-se das consequências do atropelamento na A6, que recaíram sobre o mesmo Cabrita; tem-se safo de problemas na TAP, que têm exposto Pedro Nuno Santos.

Tenho a certeza de que alguns ministros já pediram a demissão, mas o primeiro-ministro disse-lhes: «Não é isso o que a oposição quer? E nós vamos fazer o jogo da oposição?».

E perante isto os ministros curvam-se e aceitam ficar. E, no fundo, até gostam de ficar…

Há ainda os escândalos. Que têm vindo à tona a um ritmo vertiginoso.

Quando os ecos de indignação sobre o acórdão de Ivo Rosa relativamente ao processo Marquês ainda se faziam ouvir, veio a prisão de Joe Berardo; e quase em simultâneo começou o julgamento de Ricardo Salgado; e logo a seguir foi a detenção de Luís Filipe Vieira; e uns dias depois uma nova condenação de Armando Vara.

Tudo gente ligada ao poder numa mesma época, em que se derreteu dinheiro como nunca se vira em Portugal.

E atenção: o Governo que temos é do PS, ou seja, do mesmo partido a que pertencia José Sócrates, o ‘sacerdote’ que pontificava nesse tempo.

Ora, muita gente que então estava no poder para lá voltou com António Costa.

Tudo isto junto – as chagas da pandemia, a crise económica, o desgaste notório de alguns ministros, os casos de corrupção, a presença no poder de gente do tempo de Sócrates – transmite uma ideia de águas paradas, de pântano, que levará alguns a dizer que o regime está podre.

Até porque, para agravar as coisas, a oposição não mostra capacidade para ser alternativa.

Pior: mostra uma total incapacidade para apontar um rumo.

E assim não se vê maneira de sair deste charco.

Há uns 50 anos estaríamos à beira de um golpe militar.

Mas com Portugal na União Europeia até essa ‘solução’ deixou de existir.

O quisto acabará, porém, por rebentar.

E nessa altura, como sempre aconteceu até aqui, António Costa safar-se-á de qualquer modo – e outro que venha resolver a crise.

Teremos provavelmente um novo resgate.

E um novo Passos Coelho para servir de mártir.