Greve. Braço de ferro entre TAP e Groundforce deixou centenas de passageiros “pendurados”

Sindicato dos trabalhadores da empresa de handling protestam contra a “situação de instabilidade insustentável”, no pagamento de salários e “outras componentes pecuniárias”. Groundforce apela ao cancelamento da greve e diz-se aberta ao diálogo. TAP fala em “falta de respeito”.

O braço-de-ferro entre a TAP e o Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos está longe de chegar ao fim e criou uma verdadeira dor de cabeça para quem tinha viagens marcadas este fim de semana. Só domingo, foram cancelados 321 voos de e para Lisboa (dos 511 previstos) e 26 de e para o Porto, segundo fonte oficial da ANA. Estes números somam-se aos registados no sábado, com a greve a levar ao cancelamento de 242 voos no aeroporto de Lisboa – 107 chegadas e 135 partidas, 18 no Porto (nove chegadas e nove partidas), enquanto em Faro e na Madeira foram canceladas três chegadas e três partidas em cada um dos aeroportos e quatro ligações aéreas no Porto Santo.

O protesto foi convocado pela estrutura sindical devido à “situação de instabilidade insustentável, no que diz respeito ao pagamento pontual dos salários e outras componentes pecuniárias” que os trabalhadores da Groundforce enfrentam desde fevereiro de 2021. Um argumento que não convence a companhia aérea que detém 49,9% da empresa de hadling ao garantir hoje que não tem quaisquer pagamentos em atraso, depois de a empresa ter acusado a TAP de ter uma dívida de 12 milhões de euros por serviços já prestados. De acordo com a Grundforce, “bastaria que a TAP pagasse o valor em dívida pelos serviços já prestados para que os salários fossem regularizados”. Ainda assim, a empresa apelou ao cancelamento da greve, garantindo que mantém aberto o “espaço de diálogo” com os representantes dos trabalhadores.

TAP fala em “falta de respeito”

 

Argumentos que levaram a nova CEO da TAP a pedir à Groundforce para rever a sua posição por entender que estão a colocar todos os intervenientes numa posição difícil: “Não apenas os passageiros, mas também os trabalhadores e, de forma indireta, a economia do país”, referiu Christine Ourmières-Widener. Acompanhada pelo presidente executivo (CEO) da ANA – Aeroportos de Portugal, Thierry Ligonnière, e pelo chief operating officer (COO), Ramiro Sequeira, a CEO considerou que, ao recusar a proposta da TAP, a Groundforce acabou por empurrar os trabalhadores para a greve, colocando os seus interesses “à frente” dos trabalhadores e passageiros, garantindo que a empresa se disponibilizou para adiantar a verba necessária para que os trabalhadores da empresa de handling pudessem receber o subsídio de férias, mas a proposta foi recusada pela Groundforce. E acrescentou: a transportadora “não pode aceitar a falta de respeito” demonstrada pelos passageiros e trabalhadores da empresa.

Um impasse que não agrada ao sindicato. E vai mais longe: “A nossa expectativa é sempre que as coisas se resolvam, mas não depende apenas e só de nós [trabalhadores]”, disse André Teives, representante da estrutura sindical, acrescentando que a troca de acusações entre os acionistas da Groudforce deixou apenas de ter como “reféns os trabalhadores” tendo-se alargado aos passageiros que este fim de semana viram os seus voos serem cancelados ou atrasados e atira críticas ao Governo.

“Andam dois acionistas à guerra um com o outro: a Pasogal e a TAP com Governo por trás – porque também temos de entender que não existe TAP, o que existe é Ministério das Infraestrutura e Pasogal –, com os trabalhadores no meio” referiu, sublinhando que desde este sábado, esta guerra está a “fazer reféns os milhares de passageiros que ficaram sem voos e toda a disrupção que foi criada na comunidade aeroportuária nacional”.

André Teives disse ainda que na origem desta greve “não está nada do outro mundo”, mas algo “bem primário” e “por isso bastante legítimo”, que é o pagamento pontual do salário de julho e do subsídio de férias aos 1700 trabalhadores que já gozaram o maior período, salientando que “quem tem responsabilidade neste país é que tem de pôr cobro a isto de uma vez por todas”.

O sindicalista mostrou-se ainda preocupado se não forem tiradas conclusões perante a adesão e as consequências desta greve, exigindo uma resolução da situação. “Se não nos respeitam e se perante uma adesão destas, com um efeito e com uma consequência que o país todo tem estado a assistir, não se tiram conclusões, e se continuamos orgulhosamente e teimosamente, e até de forma infantil, a ir sempre em frente com o que são as nossas guerras pessoais – e estou a referir-me tanto à Pasogal como ao próprio Governo (…) para nós é inaceitável”, referiu.

Cenário expectável mas alvo de críticas

A ANA – Aeroportos de Portugal já tinha alertado os passageiros para estes constrangimentos. “São expectáveis constrangimentos, cancelamentos e atrasos nos voos assistidos pela Groundforce, nos aeroportos de Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Porto Santo”, disse a gestora das infraestruturas.

A ANA recomendou ainda aos passageiros que contactassem antecipadamente a companhia aérea para obterem mais informações sobre o seu voo” e acenou que faria “tudo o que estiver ao seu alcance para diminuir os constrangimentos causados aos passageiros”. Também a TAP criou uma página no site da companhia com instruções em caso de dificuldades de voo e de bagagem.

Mas apesar dos alertas, as críticas não se fizeram poupar. Os passageiros com voos cancelados queixaram-se de falta de informação, levando centenas de pessoas a juntarem-se em filas, ou sentadas no chão do aeroporto de Lisboa, enquanto esperavam por uma solução.
Para minimizar o caos, a ANA optou por proibir a entrada de passageiros com voos cancelados, fazendo a triagem nas entradas do edifício.

Também o presidente das Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) lamentou a “vergonha que se está a passar” nos aeroportos portugueses, devido à greve da Groundforce, numa altura em que as empresas tentam reerguer-se da crise. “Onde é que ficou o direito de Portugal a reerguer-se enquanto economia? Alguém faz uma pequena ideia do que é que a nossa concorrência enquanto destino turístico está já a fazer nas redes sociais, à conta da vergonha que se está a passar nos nossos aeroportos?”, questionou Pedro Costa Ferreira.

Em relação aos voos marcados através de uma agência de viagens associada da APAVT, o responsável disse que os contactos no sentido de reagendar ou reembolsar os clientes já foram feitos. “O problema é começarmos a dialogar com as companhias aéreas para nos reembolsarem do dinheiro que já pagámos e que agora não foram voados”, disse ainda o responsável, lamentando “o modo como as companhias aéreas, calmamente e sem qualquer problema, não respeitam o direito ao reembolso das agências de viagens e dos clientes”.

Também em resposta a esta paralisação, a ANA avançou para o alargamento do horário dos laboratórios que realizam testes à covid-19 no aeroporto de Lisboa, na sequência dos cancelamentos de voos. 

Recorde-se que a paralisação vai prolongar-se ainda pelos dias 31 de julho, 1 e 2 de agosto. Além desta greve, os trabalhadores da Groundforce estão também a cumprir uma greve às horas extraordinárias, que se prolonga até às 24:00 do dia 31 de outubro de 2021.