Portugal é uma tenda de cassetes

Como sucede a todos os grandes artistas, algumas das cassetes do PCP foram plagiadas por artistas menores do ramo que se atreveram a cantar ao desafio com eles

por João Cerqueira
Escritor

Em Portugal existem dois tipos de cassetes. Umas caixinhas de plástico do século passado em cujas fitas magnéticas se gravavam músicas; e umas ladainhas que vogam no éter. As primeiras avariavam-se facilmente devido à fraca qualidade dos seus materiais; as segundas são sempiternas por não estarem sujeitas às leis da física. E se as cassetes de plástico se tornaram objetos raros para colecionadores, as cassetes etéreas não param de debitar ladainhas.

Os artistas que mais contribuíram para a difusão deste tipo de cassetes pertencem ao PCP. Como todos os poetas, têm uma invulgar capacidade de debruar a linguagem criando frases curtas de grande valor simbólico – algo semelhante aos poemas Haiku japoneses. Por exemplo, o seu secretário-geral, Álvaro Cunhal, por entre discursos onde louvava a União Soviética e alertava para a ameaça fascista, lançava, inesperadamente, a cassete das ‘amplas liberdades democráticas’ – e o povo abria a boca, amplamente fascinado. Mesmo durante o PREC, quando havia presos políticos, assaltos à propriedade privada e censura, as ‘amplas liberdades democráticas’ brotavam como lírios no campo para que os portugueses não se preocupassem com minudências como a alimentação ou os direitos humanos pois o partido velava pelas suas necessidades.

Porém, como sucede a todos os grandes artistas, algumas das cassetes do PCP foram plagiadas por artistas menores do ramo que se atreveram a cantar ao desafio com eles. Não a cassete da ‘grande vitória eleitoral’ após estrondosas derrotas, porque raros têm peito para debitar semelhante ladainha, mas antes a cassete da ‘ameaça fascista’ que por vezes evolui para ‘ameaça neoliberal’ ou ainda, quando acontece alguma desgraça como uma bancarrota, a cassete de ‘a culpa das políticas neoliberais’.

Por ser cantarolada por todos os jograis da Esquerda, a cassete de ‘a culpa é das políticas neoliberais’ tornou-se mais ouvida do que a cassete Eu tenho dois amores de Marco Paulo nas feiras dos anos oitenta. É um hit, está no top, é cantada em karaokes de Facebook. Porém, em nada são iguais. Nos videoclipes de Marco Paulo o cantor sorria e lançava o microfone de uma mão para a outra, enquanto nos videoclipes da culpa os jograis vociferam de dedo em riste e, se lhes dessem o micro para a mão, apertá-lo-iam como se fosse o pescoço da Angela Merkel. A única semelhança é serem ficção, ou não corresponderem à realidade.

Portugal está mais pobre, mais corrupto, menos democrático, menos livre e menos solidário, mas, ainda que o PS tenha governado praticamente nos últimos vinte e cinco anos, a cassete toca sem parar ‘a culpa é das políticas neoliberais’. E o povo vai dançado e abanando o capacete, convencido de que uma é loira e a outra é morena.