A fazer mais transplantes, IPO continua com lista de espera

Mãe de um menino de seis anos à espera de um transplante de medula no IPO de Lisboa tornou pública a revolta: filho já tem dador compatível, mas continua a fazer ciclos de quimioterapia, sem previsão de operação. Ao SOL, João Oliveira, presidente do IPO, admite que apesar do aumento da capacidade, de 30% este…

«A vida do meu filho infelizmente depende disto». Bruna Villar tornou pública a situação do filho, David, nas redes sociais. Aos seis anos e diagnosticado com um linfoma linfoblástico desde os dois, souberam no dia 17 de março que a doença tinha voltado e foi referenciado para transplante de medula logo nessa altura. No dia 19 de maio, receberam a notícia de que havia um dador compatível, mas desde então aguardam por saber quando será a intervenção. 

Primeiro foi-lhes dito que seria em julho, depois em princípios de agosto, lembra a mãe, até que lhe disseram que só em setembro, o que a fez procurar respostas no hospital, onde David está agora de novo internado, e soube que havia 57 pessoas à espera e não era possível indicar uma previsão. Ao SOL, explica que procura uma resposta e lamenta que não exista uma unidade para crianças – em Portugal, há três hospitais com transplantação de medula e apenas o IPO do Porto e o IPO de Lisboa admitem casos pediátricos.

«Não é justo. Não é uma criança por mês que precisa de transplante. Não faz sentido a pediatria não ter uma unidade. Há uma criança que precisa de transplante de medula, há um dador compatível e disponível, há condições (de saúde) para a realização o transplante, mas não há vaga?», questiona.

Ao SOL, João Oliveira, presidente do IPO de Lisboa, confirma uma lista de espera para transplante de medula, apesar de esta ter sido uma das áreas em que mais aumentou a atividade no instituto nos últimos meses, sublinha. «Todos percebemos a situação e se esta criança pudesse ter sido transplantada noutro sítio já teria sido», afirma. 

Na publicação, a mãe diz que lhe foi referida a falta de pessoal como uma das razões. João Oliveira reconhece que esse é um problema sistémico  no instituto mas que no caso da Unidade de Transplante de Medula (UTM), apesar de já terem saído profissionais desde que arrancou, não se verifica atualmente e que os 12 quartos estão a funcionar e permitiram no primeiro trimestre um aumento de 30% de transplantação face ao ano passado. 

«Neste caso não se pode falar diretamente de capacidade de pessoal, que é um problema sistémico. O que temos neste momento é que houve um aumento de capacidade mas há cada vez mais indicações para transplante, transplantam-se pessoas que há poucos anos não tinham qualquer tratamento possível, começaram a fazer-se transplantes com familiares só parcialmente relacionados, em pessoas com idades mais avançadas e tudo isto, sendo positivo, aumenta as necessidades e não se aumentam capacidades de um mês para o outro ou de um ano para o outro ao ritmo com que aumentam as indicações», justifica, respondendo que não é possível estabelecer uma data exata porque a prioridade na lista de espera não é definida pela ‘ordem de chegada’ mas pela condição do doente. 

João Oliveira acrescenta que a lista de espera no Serviço Nacional de Saúde é pública, mesmo nas operações urgentes em oncologia, que em alguns hospitais demoram mais de três meses, e defende que é algo que se tem procurado melhorar mas nenhum hospital  vai conseguir resolver sozinho.

«Tem de haver um planeamento a nível nacional, porque as necessidades estão a aumentar em diferentes áreas. Na área da transplantação, existe uma coordenação de transplantação e os serviços, por serem poucos, comunicam regularmente uns com os outros. Isto é algo que nenhum hospital pode resolver sozinho e em que o SNS tem de ser maior do que a soma das partes», diz. 

O Nascer do SOL procurou perceber junto do Instituto Português do Sangue e da Transplantação quantos doentes estão à espera de transplante de medula, nos casos de transplantes alogénicos quantos têm dadores identificados e se foi feita alguma recomendação ao Ministério da Saúde no sentido de aumentar a capacidade nacional nesta área, mas não foi possível obter resposta.

No ano passado, foram feitos em todo o país 498 transplantes de progenitores hematopoiéticos, 408 de células dos próprios doentes e 99 de dadores (familiares e não relacionados). No IPO de Lisboa foram feitos 90 transplantes. Este ano, no primeiro semestre, foram 57 e a expectativa é chegar ao final do ano com mais de 120 transplantes, diz João Oliveira. 

Nas comparações europeias, a última um levantamento em serviços de 50 países publicada em 2020 na revista Nature, Portugal surgia abaixo da maioria dos países da Europa ocidental na taxa de transplantação por 10 milhões de habitantes, quer autólogos, quer alogénicos. João Oliveira diz que sendo esta uma área em que o IPO de Lisboa foi pioneiro, é uma área que o instituto quer desenvolver, mas sublinha a necessidade de um planeamento «harmonioso» dos recursos.

«Temos mais necessidades de quimioterapia, de cirurgia», continua, sublinhando que no caso das listas de espera existem também preocupações de equidade a preservar. Sobre o caso de David, diz que o «entendimento é que o prognóstico não está a ser prejudicado pela espera». 

Para a mãe, cada dia que passa aumenta a incerteza. «Tinha feito seis ciclos de quimioterapia e está pronto para o transplante. Já fez o sétimo, se calhar vai ter de fazer o oitavo e o nono enquanto espera. São doses agressivas, o risco da doença voltar é grande e se voltar saímos da lista de transplantes. Aí não há nada a fazer. Não tenho de esperar por ouvir que não há nada a fazer», diz.