Apesar de a expressão ter sido criada em 2006 pela ativista norte-americana Tarana Burke, só em outubro de 2017, é que a hashtag Me too foi levada até todos os recantos do mundo pela atriz e produtora americana Alyssa Milano, depois de uma publicação no seu Twitter: “Se todas as mulheres que foram sexualmente assediadas escreverem ‘Me Too’ no seu estado, talvez as pessoas tenham a noção da magnitude do problema”, escreveu, dez dias depois do jornal The New York Times ter publicado um artigo intitulado “Harvey Weinstein pagou para queixas de assédio sexual desaparecerem”. A verdade é que as denúncias públicas de dezenas de mulheres que acusavam o produtor de as ter assediado, resgatou a frase de Burke, dando início a uma avalanche que arrastou mais de uma centena de nomes aclamados em Hollywood como foi o caso de Gwyneth Paltrow, Ashley Judd, Jennifer Lawrence ou Uma Thurman e que encorajou muitas outras mulheres anónimas, em todas as partes do mundo que, de alguma forma, já se sentiram vítimas deste tipo de agressões, a falar.
A GRANDE VITÓRIA DO MOVIMENTO Com o tweet a ideia era incentivar as mulheres a mostrarem solidariedade umas com as outras, especialmente quando se tratava de casos de assédio sexual. O peso e as proporções do movimento foram tais que nomes sonantes da indústria de Hollywood também começaram a ser mencionados, como foi o caso de Ben Affleck, James Franco, Jamie Foxx, Michael Douglas, Morgan Freeman, entre muitos outros.
Dois meses depois, a revista Time elegeu as mulheres e homens que denunciaram os casos de assédio como “Personalidade do ano”, congratulando-os por terem “quebrado o silêncio” e pela “influência” que a sua raiva contra abusos sexuais cometidos teve em todo o globo.
Harvey Weinstein foi acusado por 70 mulheres de abusos sexuais em diversos graus – quatro acusam-no de violação, entre elas, Rose McGowan. O produtor cumpre pena de 23 anos de prisão por agressões sexuais em Nova Iorque desde o ano passado, e, no dia 20 de julho foi transferido para Los Angeles onde terá que responder por outros alegados crimes sexuais a cinco mulheres num segundo julgamento, podendo ser condenado até 140 anos de prisão, além da pena em Nova Iorque.
“O MOVIMENTO ME TOO É UMA IDIOTICE” Mas, por mais que não sejam muitas as mulheres que admitem não se identificar com o movimento (talvez também elas pelo receio do julgamento), há exemplos de nomes aclamados tanto na música, como no cinema ou literatura, que o fizeram, sem medo de represálias. O caso mais recente é o da pianista Yuja Wang, que passou de criança prodígio na China a estrela conceituada da música clássica nos EUA. Numa entrevista ao jornal espanhol El País, onde a artista confessa que passou boa parte da pandemia sem tocar e que já desistiu de entender a política americana, Wang acaba por ser também interrogada sobre a sua visão relativamente ao movimento feminista Me Too e como este é encarado no universo da música erudita. “Sobre esse e outros movimentos raciais em torno da cultura, quero dizer que não vou lamentar ou culpar os outros pela minha própria infelicidade. É triste. O que mais lamento é o que aconteceu ao realizador Woody Allen, a perseguição contra ele. Nem podemos ver o seu último filme na América!”, respondeu a artista, defendendo que é assim que se fecham as portas à cultura e admitindo que isso a relembra da Revolução Cultural chinesa. “Eu acho que o movimento é uma idiotice! Se não queres estar com alguém, recusas e ponto final! Na realidade não sei se deva dizer isto!”, rematou.
“UMA ESPÉCIE DE PURITANISMO” Em 2018, a atriz e ícone de beleza francesa, Catherine Deneuve, já havia partilhado a sua opinião sobre o movimento feminista com o público, através de uma carta aberta com o título, Defendemos a Liberdade de Importunar, Indispensável à Liberdade Sexual, publicada no jornal francês Le Monde e assinada por cerca de 100 mulheres, entre escritoras, artistas e académicas, como a curadora, crítica de arte e escritora francesa Catherine Millet e a cantora e atriz de cinema alemã, Ingrit Caven.
Na carta, as personalidades femininas defenderam que “a violação é um crime”, mas que “o flirt insistente ou inconveniente não é um delito, nem o galanteio é uma agressão machista”, classificando o movimento #MeToo como uma espécie de “puritanismo”. As 100 mulheres denunciam os movimentos contra o assédio sexual, como “totalitários” e “repressivos” que acabam por criar uma “caça às bruxas”, na qual a onda da “justiça acelerada” torna públicas e denuncia experiência privadas e pessoais. No texto lê-se que “a campanha de acusações públicas colocaram pessoas que cometeram erros pontuais na mesma categoria que os infratores sexuais, enquanto a única coisa que fizeram foi tocar um joelho, tentar roubar um beijo, falar sobre coisas ‘íntimas’ num jantar de trabalho, ou enviar mensagens com conotações sexuais a uma mulher cujos sentimentos não eram mútuos”.
As signatárias do texto acreditam também que o alcance do movimento “reprime a expressão sexual e a liberdade de cada um”. Depois de descreverem pedidos de editores de livros para tornarem os personagens masculinos “menos sexistas” e um projeto de lei sueco que exige que as pessoas deem consentimento explícito antes de se envolverem em atividades sexuais, as mulheres escrevem: “Mais um pouco e dois adultos que querem dormir juntos terão de, primeiro, verificar um documento de aplicação no telemóvel no qual estão discriminadas as práticas que cada um aceita ou recusa”. Um dos argumentos que as autoras apresentam é o de que em vez de capacitar as mulheres, tanto o movimento #MeToo, com o movimento #BalanceTonPorc, em França, servem os interesses dos “inimigos da liberdade sexual, dos extremistas religiosos, dos piores reacionários” e daqueles que acreditam que as mulheres são “seres separados, crianças com aparência de adultos, exigindo ser protegidos”. Segundo o texto, “uma mulher pode, no mesmo dia, liderar uma equipa profissional e desfrutar de ser o “objeto sexual” de um homem, sem ser um “mulher promíscua”, nem uma “vil cúmplice do patriarcado”.