O PRR: a estratégia para a resiliência do sistema de saúde

Com as linhas orientadoras do PRR, é crucial definir medidas em cada área de cuidados para obter o sucesso pretendido

por Dora Montenegro Ramos
Economista

O sistema de saúde português tem por base os pressupostos do modelo de Beveridge: cobertura universal, saúde como um direito humano, cobertura como um direito constitucional, preocupação com a coesão social. Com base nestes pressupostos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) assenta na universalidade, generalidade e gratuitidade dosilíbrios e alterações demográficas, aumento acentuado da esperança média de vida, surge o objetivo de promoção de maior inclusão social e menos desigualdades. Assim, é essencial o planeamento estratégico a longo prazo, mantendo o nível de resposta e a qualidade do serviço e permitindo que o aumento da esperança média de vida se reflita na manutenção da qualidade de vida da população. Esta preocupação está presente num dos eixos estruturantes do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), no vetor da resiliência (representa 61,3% dos fundos), priorizando a diminuição das vulnerabilidades sociais assentes na componente da reestruturação do SNS. Para tal, são definidas três reformas (cuidados de saúde primários, saúde mental e modelo de governação dos hospitais do SNS) e oito investimentos. Aqui destaco o incremento de respostas dos cuidados primários, aumento da eficiência da resposta hospitalar, com investimento em equipamentos para hospitais da região de Lisboa e melhoria na articulação com as restantes respostas do SNS, como a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP).

A transição demográfica, o aumento das doenças crónicas e degenerativas, a alta mortalidade evitável, baixos níveis de bem-estar e qualidade de vida, a fraca promoção da saúde e prevenção da doença, a fragmentação dos cuidados prestados e o elevado peso dos copagamentos, surgem como os principais desafios do SNS.

Os cuidados de saúde primários são a base do SNS, sendo a proximidade o principal fator para a literacia em saúde, a necessidade de gestão da saúde com programas específicos por área de intervenção, uma aposta na gestão integrada da doença (resposta à doença aguda e crónica) e na gestão da integração e continuidade de cuidados, são as principais áreas de intervenção indicadas no PRR, sem esquecer a definição de um modelo funcional para as respostas de proximidade, tais como as IPSS’s e as autarquias locais. O investimento previsto no PRR para a reforma dos cuidados primários ascende a 463M.

Esta pandemia evidencia a necessidade de melhorar a organização e gestão interna dos hospitais do SNS, esperando-se que os fundos relativos ao PRR sejam aplicados neste sentido, reestruturando a rede hospitalar de acordo com o planeamento da capacidade, melhoria da articulação com as várias respostas do SNS, formação em gestão dos profissionais de saúde com responsabilidade de chefias e das restantes estruturas intermédias de gestão, com foco nas respostas às reais necessidades de saúde dos utentes. 

O PRR, para a RNCCI e para a RNCP, define um investimento de 205M€, com uma aposta no aumento das camas de cuidados continuados (+5.500 camas), 20 unidades de autonomia para 500 doentes em domicílio, 50 equipas domiciliárias de cuidados continuados integrados para dar resposta a 1.000 doentes; 20 unidades de internamento de cuidados paliativos para 400 doentes e 100 lugares em 10 equipas comunitárias de cuidados paliativos. Apostar na reforma dos cuidados de saúde mental, com base no seu plano nacional e a estratégia para as demências, é um dos importantes investimentos, servindo promotores do setor público, social ou privado. 

Com as linhas orientadoras do PRR, é crucial definir medidas em cada área de cuidados para obter o sucesso pretendido. Ou seja, na reforma dos cuidados hospitalares, devia ser criado um modelo para que a maioria das cirurgias fossem em regime de ambulatório, definição de um modelo de hospitalização domiciliária de recuperação pós-cirúrgica, com equipas multidisciplinares de apoio e auxílio da telemedicina. Mas os pontos vitais do modelo para reformulação da RNCCI e RNCP, deverão ter atenção vários critérios específicos: áreas geográficas com envelhecimento populacional, em proporção com a densidade populacional, áreas geográficas de baixa densidade, com lacuna de acesso a unidades de saúde. Os critérios devem ser claros, uniformes e o modelo de remuneração proporcional aos recursos existentes. A articulação direta e permanente entre os Ministérios da Saúde e Ministério da Solidariedade e Segurança Social evita assimetrias de informação e agiliza o processo. 

O papel das IPSS’s neste tipo de cuidados, demonstra complementaridade ao SNS nas respostas. Mas estas instituições necessitam de apoio informativo, no conhecimento e elaboração das candidaturas e revisão do modelo de financiamento, tornando o mesmo mais equitativo e atrativo. Este é um ponto fulcral para o sucesso da reforma deste tipo de cuidados. E não teremos uma segunda oportunidade!