Quando os bárbaros chegaram ao Sul da Europa e à Península Ibérica, no início do século IV, encontraram povos num estádio superior de civilização.
Os romanos tinham implantado na sua zona de influência estruturas políticas, administrativas, sociais e económicas que geravam modos de vida que os bárbaros desconheciam.
Caído o império romano, a Igreja Católica ‘substituiu-o’ no papel de consolidar e fazer funcionar essas estruturas, defendendo ao mesmo tempo o cumprimento de regras essenciais à vida em sociedade. Não matar, não roubar, não cobiçar a mulher do próximo nem o seu servo nem o seu boi, não usar o homem como mulher, etc., eram princípios sem os quais a vida em comunidade se tornaria um inferno.
Além disso, ao defender a família, o cristianismo dava um passo determinante para a estruturação das sociedades. Uma família supunha uma casa. E precisava de terra para cultivar e de animais para ajudar no trabalho do campo. E de animais de criação. E o conjunto de bens que a família acumulava – casa com o seu recheio, terra, animais, alfaias agrícolas – constituía um património que passava de pais para filhos, assim surgindo o conceito de herança. E a herança supunha a monogamia, sem a qual se tornava difícil identificar os herdeiros. Com uma família estável – um pai, uma mãe e filhos – os beneficiários da herança não ofereciam dúvidas.
Sobre as famílias assim organizadas construíram-se os municípios e sobre os municípios construiu-se o Estado. Que, com a sua burocracia, garantia o funcionamento daquilo que era colectivo, pertença de todos. Assim se construíram sociedades organizadas.
Os bárbaros, quando chegaram ao Sul da Europa, estavam noutro patamar civilizacional. Vinham em hordas por aí abaixo, homens mulheres e crianças, e desconheciam as leis que regulavam a vida dos povos do Sul.
Matavam, roubavam, violavam as mulheres, não cultivavam a monogamia, viviam em promiscuidade sexual: tinham relações uns com os outros, não sabiam de quem eram os filhos. Como povos nómadas, não tinham o sentido da propriedade nem da posse da terra. Não conheciam artes de cultivo. Não sabiam o que era a herança. Não se organizando em famílias, toda a construção social daí para cima era caótica.
Obedeciam a chefes omnipotentes que impunham uma ordem rudimentar.
Durante vários séculos, atravessando a Idade Média, a Idade Moderna e entrando na Idade Contemporânea, a organização social que vinha dos romanos, consolidada pela Igreja Católica, manteve-se relativamente estável no Sul da Europa.
Com a chegada da revolução industrial, porém, este mundo vai entrar em crise. Quase tudo muda. A posse da terra torna-se secundária em relação à produção industrial. As cidades crescem enormemente. As mulheres entram no mercado de trabalho. A vida em família altera-se.
O homem perde protagonismo, as mulheres ganham independência, os filhos deixam parcialmente de ser criados em casa e vão para creches ou para colégios internos, a estabilidade familiar é abalada, os divórcios aumentam.
O positivismo avança, com o consequente recuo da influência da Igreja Católica.
Todos os mandamentos entram em crise. As mulheres começam a ter uma vida social que as faz arranjarem-se mais.
Tornam-se mais sedutoras. Deixa de ser proibido cortejar a mulher do próximo. A liberdade sexual cresce muitíssimo.
Tudo aquilo que era considerado ‘conquistas da civilização’ subitamente é posto em causa. A crise da família, ou seja, da célula-base em cima da qual se fazia a construção social, abala tudo o resto. O conceito de património familiar, a educação dos filhos, as questões sucessórias, tudo isto fica em causa.
O próprio respeito pela vida humana, a ideia de que a vida é o valor supremo – não matarás – entra em crise. A despenalização do aborto é a primeira machadada neste princípio. A liberdade da mulher para fazer o que quer do seu corpo (ou do que transporta dentro de si) sobrepõe-se à inviolabilidade da vida. E seguir-se-á a eutanásia.
Chega-se ao extremo de se achar que a distinção entre homens e mulheres é artificial. Os meninos aprendem que o ‘género’ é uma construção social, que um menino pode afinal ser uma menina e vice-versa, que o facto de ter um órgão assim ou assado não quer dizer nada. A diferença entre homem e mulher, cuja união permite a reprodução da espécie e cuja associação estável possibilita uma sociedade organizada, perdeu-se.
Estas mudanças reflectem-se hoje em todas as manifestações humanas. A arte tornou-se rude. Boa parte da literatura perdeu o nexo, a música tornou-se ruído, a pintura é caótica, a escultura é abstrusa. Mesmo quem gosta de arte moderna, como eu, não pode deixar de reconhecer que entre uma pintura de Rubens e um quadro abstracto com meia dúzia de pinceladas ao acaso, ou entre uma sinfonia de Beethoven e uma música techno, vai um abismo. Umas são manifestações de uma civilização no seu apogeu, outras são produtos de um mundo decadente.
E na forma de vestir manifesta-se a mesma regressão. Até há uma duas gerações as pessoas procuravam arranjar-se, parecer bem; agora passa-se o contrário: a moda são os cabelos despenteados ou as cristas imitando tribos primitivas, a roupa sem formas, as calças rotas.
Esta sociedade doente, que esqueceu as regras e os princípios que lhe deram superioridade, aproxima-se da barbárie.
Pode matar-se em certas circunstâncias, a monogamia é uma coisa do passado, a família desfez-se, a promiscuidade sexual instalou-se (já se fala em ‘policasamentos’, ou seja, casamentos em grupo), o património familiar perdeu sentido, as heranças complicaram-se.
Adoptamos costumes e práticas de povos que estavam num estádio de civilização muito inferior ao nosso quando entraram na Península.
Todas as civilizações têm uma ascensão, um apogeu e uma queda. E a queda, normalmente, é para patamares inferiores aos do início. E é nessa fase que nos encontramos.
Claro que temos a tecnologia, os computadores, os telemóveis, os satélites, as naves espaciais, etc. Mas também
Roma tinha uma tecnologia muito superior à dos bárbaros e caiu às mãos destes.
Porquê?
Porque desenvolvera a técnica mas perdera a alma. Aquilo que estava na origem de tudo.