O primeiro-ministro meteu férias nesta segunda quinzena de Agosto, deixando a substituí-lo a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
O facto é intrigante.
É que a jovem ministra, além de inexperiente na função, é a número quatro da hierarquia do Governo.
Então, onde estavam o número dois e o número três?
Fora do país, em funções oficiais?
Não – estavam igualmente de férias!
Mas onde se viu uma coisa assim?
Nos jornais que dirigi, o Expresso e o SOL – onde estive ininterruptamente quase 33 anos (o número de anos que Cristo viveu…) -, nunca fui de férias em simultâneo com o meu número dois.
Em grande parte desse tempo o diretor-adjunto foi o José António Lima – com quem mantive uma relação exemplar -, e combinávamos anualmente as férias de modo a que um de nós estivesse sempre no jornal.
Isso implicava, às vezes, alguns sacrifícios de uma parte ou doutra, mas entendíamos que era inerente à função: havendo um diretor e um adjunto, não fazia sentido que fossem de férias em simultâneo.
Ora, no caso que estamos a tratar, não se trata de um jornal mas do país.
Compreende-se, assim, que o primeiro-ministro vá de férias ao mesmo tempo do seu número dois, Pedro Siza Vieira?
E que ambos vão de férias ao mesmo tempo do número três, Augusto Santos Silva?
Ninguém compreende.
Por isso, custa-me a acreditar que tenha sido uma coincidência.
Só vejo uma de duas razões para isto acontecer: António Costa não ter querido deixar Siza Vieira à frente do Governo, ou ter sido este a recusar.
E, se uma coisa ou outra aconteceu, então é natural que Santos Silva não tenha sido envolvido na situação.
Se Costa não queria entregar o Governo a Siza Vieira, não fazia sentido ir entregá-lo a Santos Silva.
O melhor seria fazerem todos férias ao mesmo tempo – e o poder ficar nas mãos de uma estreante, numa espécie de sentença de Salomão.
Para explicar o inexplicável, alguém passou ao semanário Expresso um ‘recado’ que este assumiu acriticamente: António Costa teve o objetivo de dar uma indicação de sucessão no partido.
A entrega do poder a Mariana Vieira da Silva não teria sido obra do acaso – tinha uma intenção determinada.
Ora, esta tentativa de explicação acabou por soar a emenda pior do que o soneto.
Uma indicação de sucessão?
Em primeiro lugar, Costa já disse que não está de saída, pelo contrário, que está no cargo para lavar e durar.
Em segundo lugar, toda a gente sabe que as indicações de sucessão, na política como noutras atividades, têm em geral o efeito exatamente oposto: queimar os putativos sucessores.
Quando um partido muda de líder, deseja uma mudança.
Um refrescamento.
Não quer o prolongamento do caminho que vinha a trilhar, ainda por cima protagonizado por uma segunda escolha – quer novidade.
Quer comida feita de novo e não um prato requentado.
Nos partidos, os líderes têm de se impor por si, superiorizarem-se aos adversários internos e conquistarem o lugar, mostrarem força própria; os militantes não querem alguém que recebeu o poder como herança numa bandeja.
O poder não se herda – o poder conquista-se.
E conquista-se mercê de características pessoais que variam de pessoa para pessoa: o carisma, a capacidade de liderança, a personalidade, o talento.
Mas António Costa está farto de o saber.
Assim, a ideia de que quis lançar Mariana Vieira da Silva só pode ter sido uma cortina de fumo para esconder algo que nada tem que ver com isto.
Por mim, não percebo o que se passou no Governo nesta segunda quinzena de Agosto.
Apenas posso especular, como fiz, sobre a coincidência das férias de António Costa, Siza Vieira e Santos Silva.
E concluir que ela não abona muito a favor da unidade do Governo e do bom ambiente no seu seio.
Para complicar as coisas, a ministra a quem Costa deixou a batata quente não teve sorte.
Logo por azar, aconteceu a crise no Afeganistão.
E na altura em que, em toda a Europa, os primeiros-ministros tomavam posição sobre a ocupação de Cabul pelos talibãs, a nossa chefe do Governo em exercício ficou muda e calada.
Ao menos, António Costa e Santos Silva podiam ter-lhe dito alguma coisa, mostrar-lhe que teria de intervir publicamente e combinarem a posição a assumir.
Não o fizeram, porém, deixando a ministra descalça.
Enfim, tratou-se de mais uma descoordenação a somar às outras.
Que acabou por afetar injustamente a imagem da ministra, pondo a nu a sua inexperiência e impreparação para enfrentar situações imprevistas.