Após a detenção do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o vice-presidente Rui Costa assumiu as rédeas do clube. Para lá de ser uma solução estatutária, foi uma solução acertada: perante as suspeitas de fraude de um homem de negócios que geriu o Benfica durante dezassete anos e meio, fazia sentido que o seu sucessor tivesse um perfil radicalmente diferente. Ora, Rui Costa, antigo jogador do clube que desde sempre pertenceu ao mundo do futebol e que nunca esteve ligado ao mundo dos negócios, com provas insofismáveis de amor ao clube, parecia ser o homem certo.
E mesmo que, formalmente, tivesse algumas responsabilidades em certas situações irregulares, por força da sua condição de vice-presidente, era convicção geral que, do ponto de vista substancial, estava inocente.
Depois de assumir a presidência, Rui Costa afirmou com sensatez que brevemente promoveria eleições no clube. De facto, uma grande instituição como o Benfica não pode viver muito tempo em situação transitória – com um presidente que não foi eleito e só assumiu o cargo por demissão do titular.
E é quase certo que, nestas eleições, Rui Costa se recandidatará. E que terá como principal opositor João Noronha Lopes, que nas eleições anteriores se bateu bem contra Vieira, recolhendo 35% dos votos. E teve o apoio de figuras destacadas do clube e de velhas glórias do futebol encarnado, como António Simões.
Conheci relativamente bem os pais de Noronha Lopes. A minha mãe deu lições particulares às cinco filhas de D. João de Noronha e D. Madalena, uma família de latifundiários, proprietária do Monte das Flores, em Évora.
Tendo-se as lições prolongado por vários anos, a minha mãe tornou-se amiga da família, passando a ser convidada para as datas festivas e até para passar férias no monte alentejano. E quase sempre me levava com ela. Assim, na adolescência, estive longas semanas no Alentejo e acompanhei a família a espectáculos de teatro no Garcia de Resende e a touradas em várias praças.
A mais velha das filhas de D. João e D. Madalena chamava-se Lurdes – a que todos chamavam Lurdinhas –, que quando chegou à idade casadoira começou a namorar com um filho do feitor do Monte das Flores, de nome António e de apelido Lopes. Assisti ao namoro e ao casamento. Era uma história parecida com a de Salazar, embora com outro desfecho. Também este arrastou a asa à filha da família da qual o pai era feitor. Mas foi duramente reprimido pela mãe da rapariga, que o afastou de um modo que o magoou profundamente e que nunca perdoou.
Aqui, não: a menina casou mesmo com o filho do feitor. E foi um casamento bem-sucedido: ainda o ano passado os encontrei, felizes, a almoçar em Estremoz. Ora, foi deste casamento que nasceu o menino João – Noronha do lado da mãe, herdeira de uma família latifundiária rica, Lopes do lado do pai, filho de uma família rural humilde.
Voltando à história do Benfica e das próximas eleições, admito que Rui Costa venha a ser o preferido dos sócios, até porque alguns dos que apoiaram Noronha Lopes desta vez apoiarão o antigo futebolista. Até por razões afectivas.
Mas atenção: Rui Costa, se for eleito, será sempre um presidente efémero. Não por ele, cujas qualidades de liderança desconheço e que até pode vir a revelar-se um excelente gestor. Mas há uma lei segundo a qual a um líder forte e duradouro se seguem invariavelmente líderes fracos e efémeros. Nem sequer é uma lei dos clubes de futebol: é uma lei geral.
Que envolve as empresas, os partidos e as nações.
Pense-se em Salazar, cujo sucessor, Marcello Caetano, nunca conseguiu verdadeiramente impor-se. Pense-se no PSD, cujo sucessor de Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, não logrou convencer os militantes do partido. Pense-se em Mário Soares, que depois de sair do PS viu suceder-lhe Vítor Constâncio, que pouco tempo se aguentou na liderança. Podia arranjar dezenas ou centenas de exemplos de situações em que, a seguir a um líder forte e com uma presença longa no cargo, veio um líder fraco. Inversamente, não me lembro de nenhum caso em que a um líder forte tenha sucedido outro líder forte.
Assim, ao recandidatar-se à presidência do Benfica, Rui Costa coloca paradoxalmente a cabeça na guilhotina. Se pudesse esperar mais tempo, resguardar-se, e voltar daqui a uns dois ou três anos, depois de outros terem sido triturados, teria mais hipóteses de sucesso. Avançando já, não terá.
E é pena. Porque, pela experiência que já acumulou, pela estima que têm por ele os benfiquistas, pelas suas próprias qualidades de simpatia, noutras circunstâncias talvez pudesse ter um sucesso que assim será impossível alcançar.
O próximo presidente do Benfica – para não dizer os próximos –, será para queimar. Só depois disso virá o verdadeiro sucessor de Luís Filipe Vieira.