À semelhança do que acontece em alguns países da Europa, está a dar-se uma profunda mudança no eleitorado português, que não tem merecido a necessária atenção.
Dois partidos históricos, o Partido Comunista e o CDS, estão quase a desaparecer – o primeiro em lenta agonia, o segundo em declínio rápido.
Ao mesmo tempo, dois partidos recentes, o Chega e a IL, sobem consecutivamente nas sondagens.
E se a estes juntarmos o BE, cuja ascensão já vinha de trás, podemos dizer que estamos perante uma subversão do naipe partidário saído do 25 de Abril.
Após a revolução, surgiram quatro partidos com razoável expressão eleitoral, que pareciam cobrir as diferentes opções políticas: o PCP, o PS, o PPD e o CDS.
O primeiro era o grande partido da resistência ao salazarismo, com anos e anos de clandestinidade, que sobrevivera à perseguição da PIDE.
O PS era o herdeiro do Partido Republicano, que tinha dominado a 1.ª República.
O PPD era o partido dos liberais que se tinham afirmado durante o marcelismo.
O CDS era um partido democrata-cristão, uma corrente política conservadora com larga representação na Europa.
Este quadro manteve-se estável durante 30 anos, com alguns pequenos solavancos como o epifenómeno PRD de Ramalho Eanes.
O primeiro sinal de mudança foi o aparecimento do Bloco de Esquerda, que reunia uma boa parte das forças da extrema-esquerda do pós-25 de Abril. E que, após alguns problemas, arrancou decisivamente sob a liderança das ‘carinhas larocas’ e deixou para trás o PCP.
Depois surgiu o PAN, que acabaria por ser um meteoro, pois parecia uma coisa (um partido de defesa dos animais) e revelou-se outra (um partido de esquerda igual a outros).
E recentemente deu-se a grande alteração, com a entrada do Chega e da Iniciativa Liberal no Parlamento.
Hoje, em muitas sondagens, temos o Chega como terceiro partido e a IL quase igual ao PCP, o que é extraordinário, tendo em conta que são dois partidos sem implantação, sem história e quase sem estruturas.
Dos quatro partidos históricos, só o PS resiste consistentemente.
O PSD, que chegou a ser hegemónico no tempo de Cavaco Silva, tem metade dos votos que tinha nessa época.
O CDS quase já não conta.
O PCP agoniza, como se disse.
Basta conhecer mesmo superficialmente a história portuguesa recente para constatar a impressionante semelhança desta situação com a da 1ª República.
Também aí houve um partido de esquerda que se manteve dominador do princípio ao fim – o Partido Republicano Português, liderado por Afonso Costa, mais conhecido por Partido Democrático depois de 1911 -, que é o antecessor do PS.
Mesmo quando não estava no Governo, era ele quem dominava o panorama político, mercê do controlo que detinha sobre a administração pública – como agora acontece com o PS.
À direita, na primeira fase da República, havia dois partidos com expressão – o unionista e o evolucionista – tal como depois do 25 de Abril tivemos o PSD e o CDS.
Mas na segunda fase da Republica, depois da Grande Guerra, a direita entrou em grande confusão, com uns partidos a acabar e outros a surgir – tal e qual como agora sucede.
O paralelo impressiona.
Sabemos como acabou a 1.ª República: com um golpe militar.
Isso hoje está fora de causa, pois a entrada na União Europeia significou um seguro de vida democrático.
Mas não embandeiremos em arco: tal como na República se foi formando uma grande insatisfação contra o poder constituído, também agora se nota um desânimo, uma descrença, um cansaço, uma progressiva desconfiança nas instituições.
E cada vez é mais claro que seria necessário um golpe de asa, uma grande reforma capaz de mobilizar o país e o fazer acreditar de novo nas suas forças.
Mas o PS não quer mudar nada.
António Costa prefere ir gerindo o poder, fazendo promessas, distribuindo benefícios sociais.
Foi nisso que se especializou.
Mas mesmo que quisesse fazer alguma grande reforma, não poderia – porque está refém da extrema-esquerda.
O PCP e o BE, como cães de guarda, não deixam os socialistas mexer no status quo.
E isso faz aumentar continuamente a massa de descontentes, explicando o rápido crescimento do Chega e da IL.
Só que estes descontentes não têm condições para construir uma alternativa.
Vão crescendo, mas sentem-se impotentes, pois estão divididos em partidos inconciliáveis.
Estamos, assim, a cair num impasse. Num beco sem saída.
O Governo não quer agir – e, mesmo que quisesse, a extrema-esquerda não o deixaria; e a direita, desmoralizada ou mesmo revoltada, não reúne condições objetivas para ser Governo.
Como sair daqui?
Se fosse há 100 anos, seria simples: estaria em preparação um golpe militar para desbloquear a situação.
Como isso agora não é possível, a situação política vai continuar a apodrecer – até que alguém, defendendo uma mudança radical, consiga impor-se.
E muito sinceramente só vejo um líder com capacidade para fazer essa rutura: André Ventura.
Pode não chegar a primeiro-ministro: mas não vejo ninguém mais vocacionado do que ele para dar voz a um descontentamento que se sente aumentar diariamente.