A China e os Talibãs

Pequim vai reconhecer, com certeza, o governo dos Talibãs e a prova disso foi a amistosa recepção do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, a uma delegação do movimento fundamentalista afegão, capitaneada pelo Mullah Abdul Ghani Baradar, que o visitou na cidade de Tianjin há umas semanas.

por R.V

Como veem os dirigentes chineses a ruptura no Afeganistão? Numa primeira análise, a humilhação dos Estados Unidos é clara e, para Pequim, representa um tempo de propaganda, na medida em que a retirada precipitada e caótica de Cabul revela uma vulnerabilidade do poder hegemónico em termos de fiabilidade de alianças. Há mesmo aqueles que pretendem ver nesta situação um indício de falta de decisão e resolução Como escreve Ryan Hass, da Brookings Institution, vão ao ponto de considerar que Taiwan está agora mais vulnerável, na medida em que Pequim avaliou a medida da decisão e competência americanas, e concluiu pela sua ausência.

Mas a questão não é tão simples. Pequim vai reconhecer, com certeza, o governo dos Talibãs e a prova disso foi a amistosa recepção do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, a uma delegação do movimento fundamentalista afegão, capitaneada pelo Mullah Abdul Ghani Baradar, que o visitou na cidade de Tianjin há umas semanas; Wang afirmou então que a retirada dos Estados Unidos e da NATO “mostra o fracasso da política americana e proporciona ao povo afegão uma importante oportunidade para estabilizar e desenvolver o seu país”. A fotografia do ministro chinês e do líder Talibã apareceu no Site oficial do Ministério, o que oficializa a relação.

Mas a vitória dos amigos Talibãs não deixa de levantar também alguma preocupação em Pequim: embora os dois Estados partilhem uma relativamente estreita e remota fronteira, as dúvidas sobre a estabilidade do novo regime hão-de persistir por muito tempo. E, para os chineses, persistirão sobretudo – como para os ocidentais, os russos e os paquistaneses –  a dúvida de saber se os Talibãs serão capazes de controlar o país, se vão permitir e até apoiar movimentos jihadistas no seu território, e em que medida pensam dinamizar solidariedades ideológicas.

Isto porque a China tem, dentro das suas fronteiras, no Sinkiang, a chamada Sinkiang Uyghur Autonomous Region (SUAR), situada no extremo Oeste da RPC. O Sinkiang é uma região semidesértica, rica em petróleo e gás natural, e grande produtora de algodão.

Na região subsistiram sempre sentimentos separatistas dos Uighur, um povo de religião muçulmana. Mas Pequim está atenta no controlo das populações Uighur, controlo que se intensificou desde a chegada de Xi Jinping ao poder. Países como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, o Canadá, a Holanda e a Austrália, bem como organizações humanitárias como a Human Rights Watch, têm mesmo acusado a China de impôr controlos policiais violentos aos Uighur, e de ter estabelecido uma política de “genocídio” com centenas de campos de reeducação e políticas de esterilização das populações. Também um Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2018, referia que cerca de um milhão desses Uighur estariam nesses campos de reeducação, que seriam campos de concentração.

No passado, aí por volta de 2015, militantes Uighur, fugindo à repressão chinesa, passaram para o Afeganistão e para o Paquistão, juntando-se a grupos islâmicos militantes como o ETIM (Movimento Islâmico do Turquestão Oriental), e aos próprios Talibãs.

No passado, em 1996, quando os Talibãs tomaram o poder em Cabul, a China não os reconheceu, receosa de contaminações subversivas entre os seus próprios muçulmanos.

Hoje tudo mudou: a economia chinesa multiplicou largamente o PNB da RPC, o país tem ambições de grande potência e de competir com os Estados Unidos pela primazia; além disso, Pequim quer aumentar os seus interesses económicos no Afeganistão.