Na semana passada defendi a ideia de que o sistema político caiu num impasse do qual só poderá sair através de uma rutura – que exigirá um político de perfil agressivo, capaz de pôr em causa algumas ‘verdades’ pacificamente aceites.
Como exemplo, adiantei o nome de André Ventura.
É o único político que neste momento vislumbro com essas características.
Ora, concordando globalmente com o texto, vários leitores questionaram o nome de Ventura e adiantaram outro, hipoteticamente com mais hipóteses de sucesso: Pedro Passos Coelho.
É curiosa a insistência com que se tem vindo ultimamente a falar de Passos Coelho, depois de todo o mal que se disse dele – fora e dentro do PSD.
Mas não me surpreende.
O que está a acontecer com ele é normal nas democracias: os líderes mais lembrados, os que ficam na História, são exatamente os que levaram a cabo políticas impopulares.
Os políticos que fazem o que os eleitores querem, que navegam ao sabor das exigências do eleitorado, que bajulam as massas, são em geral rapidamente esquecidos.
Aplaudidos enquanto desempenham o cargo, a História encarrega-se de os apagar depressa.
Poderá ser esse o caso de António Costa.
Especializou-se na arte de fazer promessas – umas cumpridas, outras não –, de satisfazer as suas clientelas, de oferecer lugares para calar opositores e de resolver problemas através da ‘passagem de cheques’ – e, assim sendo, depois de sair do poder e deixar de ter meios para distribuir benesses, corre o risco de ser facilmente esquecido.
Tal como os alunos respeitam mais os professores exigentes, que não permitem facilidades, também os cidadãos acabam por recordar mais os políticos que não têm por objetivo ser populares.
Fazer o que as maiorias querem, andar a reboque delas, é fácil; o que é difícil é pedir-lhes sacrifícios.
Ninguém gosta de ser atacado, vaiado, odiado mesmo, como sucedeu com Passos Coelho enquanto foi primeiro-ministro.
Por isso, sempre respeitei os políticos que ousam ser impopulares e desconfiei dos que oferecem tudo.
Aqui reside, aliás, o grande calcanhar de Aquiles das democracias.
Sendo os governantes escolhidos pelo voto popular, o sistema ‘convida-os’ a distribuir benefícios para angariar votos – mesmo contraindo dívidas que terão de ser pagas pelas gerações futuras.
É essa a tentação ‘normal’ do político que quer sobreviver; e por isso os que lhe resistem são os que a História recorda.
Lembro-me de Margaret Thatcher, a dama de ferro inglesa, ou de Ernâni Lopes, antigo ministro das Finanças de Portugal num Governo de Mário Soares.
São duas figuras hoje respeitadas, e até apresentadas como exemplos, que foram vilipendiadas quando eram governantes.
Com Passos Coelho começa a suceder o mesmo.
Em pleno período de austeridade, quando toda a esquerda e uma parte da direita o execrava, com o apoio da grande maioria dos media, escrevi que a História ainda o resgataria. Não me enganei.
Quando hoje se fala do futuro da direita, cada vez mais gente pensa no regresso de Pedro Passos Coelho à política.
Ora – apesar do que deixei escrito – acho que esse regresso não seria bom nem para o país nem para ele.
No momento em que o PS deixar o poder – que tem exercido apoiado no PCP e no BE –, vão ser necessárias algumas ruturas.
O país não pode continuar a viver com este tremendo nível de impostos, que sufocam a economia, pelo que será preciso um choque fiscal; e este exigirá uma redução drástica da despesa do Estado, que terá de ser feita um tanto ‘à bruta’.
E terá Passos Coelho características para o fazer?
Em segundo lugar, é de presumir que, quando a direita voltar ao poder, a situação das Finanças públicas seja péssima.
Tem sido sempre assim.
E com todos os apoios sociais avançados para fazer frente à pandemia, e todos os benefícios sociais que este Estado-providência distribui, muito dificilmente deixarão de ser necessárias novas medidas de austeridade.
Ora, como conjugar a austeridade com uma redução de impostos?
É praticamente a quadratura do círculo.
Que não se pode exigir a Passos Coelho: depois do desgaste que sofreu na era pós-Sócrates, será imoral pedir-lhe que volte ao Governo em circunstâncias semelhantes ou piores, num remake que seria patético.
E há ainda uma terceira razão. Os ‘regressos’, em geral, não dão bom resultado.
Os casos abundam, em todas as áreas.
No futebol, na TV e na política.
Olhe-se para o regresso de Jorge Jesus ao Benfica, ou de Cristina Ferreira à TVI, ou de Soares à política quando se recandidatou à Presidência.
Por tudo isto, tenho muitas dúvidas quanto a um regresso de Passos Coelho ao PSD e ao Governo.
Pelas suas características pessoais e pelo que vai ser preciso fazer.
Foi nesta perspetiva que falei em André Ventura.
Sei muito bem que não é um estadista, que é um demagogo, e que dificilmente terá alguma vez condições para formar Governo.
Mas tem o perfil do político capaz de fazer as ruturas de que o sistema precisa, sem pôr em causa a democracia.
Há outra figura que talvez o pudesse fazer, se quisesse: Maria Luís Albuquerque.
Não seria a primeira vez em Portugal que um ex-ministro das Finanças era primeiro-ministro: basta pensar em Salazar e Cavaco Silva – por sinal, dois políticos que provocaram ruturas.
Mas a verdade é que não a vejo para aí virada.
P.S. – Carlos Moedas é um bom exemplo de um político que poderá ser competente mas nunca será capaz de liderar uma rutura. E por isso, nesta conjuntura, será sempre vencido pela esquerda.