A direita de que a esquerda gosta

Todos conhecem a história do burro que estava na rua coberto de moscas. Passa junto dele uma alma caridosa que se condói do animal e começa a afastar as moscas. Sobressalta-se o burro: – O que estás a fazer? – Estou a tentar afastar as moscas que não te largam… – responde o homem. –…

Todos conhecem a história do burro que estava na rua coberto de moscas. Passa junto dele uma alma caridosa que se condói do animal e começa a afastar as moscas.

Sobressalta-se o burro:

– O que estás a fazer?

– Estou a tentar afastar as moscas que não te largam… – responde o homem.

– Não faças isso! – retorque o burro. – É que depois vêm outras. E estas, ao menos, eu já conheço…

Vem esta história a propósito das autárquicas.

As pessoas – e não só os burros – gostam pouco de mudanças.

Quando vamos regularmente a um restaurante, gostamos de encontrar os mesmos empregados.

Sempre que aparece um empregado novo, ficamos de pé atrás.

Porque dos outros já conhecemos os defeitos e as virtudes, enquanto um novo é uma incógnita. E uma incógnita representa um risco.

Um estudo publicado esta semana pelo Público a propósito das próximas eleições autárquicas veio exatamente confirmar esta ideia.

Diz o estudo que um presidente que se recandidata ao cargo tem à partida 15 pontos de vantagem sobre os adversários.

Quinze pontos de bónus.

Quer isto dizer que, se não houvesse limitação de mandatos, perto de 90% das câmaras não mudariam de mãos.

A (limitada) renovação autárquica que se faz de quatro em quatro anos decorre, pois, muito mais da imposição legal do que da opção popular.

Os 38 presidentes que não puderam agora recandidatar-se no mesmo concelho por atingirem o limite de mandatos seriam muito provavelmente reeleitos.

Assim sendo, as três maiores câmaras municipais do país – Lisboa, Porto e Coimbra – manterão os mesmos líderes: Fernando Medina, Rui Moreira e Manuel Machado.

Nenhum deles é do PSD, que somará nova derrota clara – a qual poderá muito bem ditar o fim do consulado de Rui Rio.

Não acredito que Rio sobreviva a uma derrota por larga margem; até porque, mesmo que quisesse ficar, não lho consentiriam.

A aposta em Carlos Moedas em Lisboa não funcionou, e esse foi um primeiro sinal negativo.

Como já escrevi, Moedas será um competente homem de gabinete mas não é um político, muito menos para estes tempos.

Falta-lhe energia, falta-lhe o killer instinct.

Se calhar, faltam-lhe até alguns defeitos que os políticos bem-sucedidos não podem deixar de ter…

Na linha de partida para a sucessão a Rio já se colocaram dois nomes: Paulo Rangel e Jorge Moreira da Silva.

Não creio que nenhum deles seja o homem certo.

São ambos politicamente corretos, falta-lhes capacidade para fazer ruturas.

Ora, no momento em que Rio sair da liderança, não bastará ao PSD trocar um homem por outro – terá de repensar profundamente o seu futuro.

A política mudou.

A radicalização do PS, ao aproximar-se do PCP e o BE, levou a uma radicalização do eleitorado à direita.

Foi isto que conduziu ao aparecimento do Chega – e, simultaneamente, ao quase desaparecimento do CDS e ao definhamento do PSD, reduzido a metade do que era nos seus tempos áureos.

Perante isto, o PSD não pode assobiar para o ar.

O Partido Social Democrata vai ter de endurecer o discurso.

Vai ter de contestar certas vacas sagradas (de que o SNS é exemplo) e combater sem medo o politicamente correto.

Vai ter de enfrentar corajosamente certos movimentos que agitam as sociedades contemporâneas, criando divisões artificiais e provocando novos problemas.

Vai, por exemplo, ter de fazer frente àqueles que, sob a capa do antirracismo, fomentam os confrontos raciais; ou às feministas radicais, que promovem a indiferenciação dos sexos; ou aos que avançam com medidas que corroem a família; ou aos que propagandeiam práticas sexuais heterodoxas; ou, ainda, aos que se dedicam a enxovalhar o passado, vandalizam estátuas e ridicularizam o patriotismo.

Tudo isto faz parte do mesmo movimento dissolvente do nosso modelo de sociedade – e tem de haver alguém que o enfrente.

Ora, o PSD não pode entregar ao Chega o monopólio desta luta.

Enquanto o PSD e os seus líderes não perceberem a nova realidade em que vivemos, este mundo novo, serão sempre derrotados pela esquerda – como aconteceu no debate Medina-Moedas.

Vivemos novos tempos, que o PSD não pode ignorar.

Há hoje uma direita que tem complexos de esquerda, que tem medo de a combater que não põe em causa certos princípios (como a ideia de igualdade, que conduziu à tragédia do comunismo).

É esta chamo ‘a direita de que a esquerda gosta’.

Ora, o sucessor de Rui Rio não pode fazer parte deste grupo – como é um pouco o caso de Rangel e Moreira da Silva.

Assim, julgo que o futuro líder do PSD com perfil ganhador ainda está por aparecer.

Mas as circunstâncias acabarão, mais tarde ou mais cedo, por impô-lo.