11 de Setembro

Por muito que eu não queira, há uma alta probabilidade que um novo desafio da dimensão do 11 de Setembro aconteça durante a vossa vida. Nessa tragédia, lembrem-se bem do que eu e outros aprendemos com o 11 de Setembro. Digam presente na ajuda ao próximo e à comunidade. Mantenham-se intransigentes nos vossos valores de…

por Pedro Ramos

Nova Iorque, 11 de setembro de 2021

 

Queridas Filhas,

 

Escrevo esta carta no vigésimo aniversário do 11 de Setembro. Os eventos deste dia marcaram a minha geração. Talvez seja difícil para vocês compreenderem como o mundo mudou. A Europa Ocidental e os USA chegaram a 10 de Setembro numa onda de otimismo. O Muro de Berlim caiu em 1989 e a União Soviética dissolveu-se pouco depois. A guerra fria acabou. Ao mesmo tempo, na China, Deng Xiaoping reformou o sistema económico, rejeitando o comunismo e abraçando o capitalismo. A guerra de ideias que tinha ocupado grande parte do século XX tinha-se resolvido em favor do capitalismo e da democracia.

No Ocidente havia a convicção de que com a proliferação de capitalismo e democracia pelo mundo fora, mais pessoas sairiam da pobreza, prosperariam economicamente e juntariam as suas vozes ao debate de cada nação. Governos autocráticos seriam progressivamente substituídos por Estados de Direito Democráticos. Décadas de progresso, paz e globalização esperavam-nos no novo milénio. Esse sonho morreu a 11 de Setembro de 2001.

Nesse dia eu estava a trabalhar em Lisboa. Lembro-me de ver a notícia do primeiro avião embater numa das Torres Gémeas e pensar: «Que acidente trágico!». Quando a notícia do segundo avião chegou, ficou claro para mim que não se tratava de um acidente. Fui para a sala do escritório que tinha televisão para ver as imagens e percebi que também o Pentágono tinha sido atingido e outro avião tinha caído em Pensilvânia. Em meio estado de choque, foi claro para mim que estava a assistir a um momento histórico. Tinha medo de que mais ataques viessem, inclusive na Europa, e porque não em Lisboa também? Deveria sair do prédio em que estava? Tanto eu como muitos outros ficamos confusos e perdidos com o sucedido. Quem poderia ficar feliz com tal ato? Quem teria planeado este ataque? Que outros ataques se seguiriam? Seria este afinal, o início da terceira guerra mundial que tanta ansiedade me causou durante a Guerra Fria?

Muito do Ocidente partilhou dos meus sentimentos. Mas não todos. Pela Europa muitas fações não conseguiram disfarçar a satisfação de ver os USA vergados. A vossa mãe que estava na altura na América Latina, disse-me que muitas pessoas saíram para a rua para festejar! Em Portugal essas pessoas foram mais comedidas, mas conheci pessoas que ficaram satisfeitas com a ‘derrota’ dos USA e do Ocidente.

Nesses dias estava a acabar a minha candidatura ao MBA que me traria aos USA. Os eventos de 11 de Setembro aumentaram a minha convicção e meses depois desembarquei neste país.

Os amigos que fiz contaram-me mais detalhes desse dia e dos que se seguiram. Muitos viram pessoas a atirarem-se desesperados das janelas das torres. Contaram-me que durante dias o cheiro de cadáveres em decomposição e queimados era muito intenso e sentia-se a quilómetros de distância. Alguns conheciam vítimas. No primeiro aniversário do evento, nas minhas aulas, muitos colegas choraram convulsivamente quando rezamos pelas vítimas. Claramente as feridas foram profundas e duradouras…

A 20 anos de distância, que lições tirar? Eu gostava de focar nas seguintes sete: em primeiro lugar, nem todos os povos e tribos partilham os valores e ambições do Ocidente. A globalização não significa que todos os regimes serão democráticos e capitalistas. Em segundo lugar, há grupos que pensam que o seu sucesso depende da miséria de outros. Isso justifica mesmo ataques a inocentes civis. Em terceiro lugar, o estado de paz, democrático e de prosperidade económica que nos foi passado pelos nossos antepassados é uma sorte que tivemos que foi conquistada com muitos sacrifícios das gerações passadas. Nunca podemos perder a gratidão pelas oportunidades que temos. Em quarto lugar, saber que este sistema que herdamos é frágil e nada garante que será passado intacto a gerações futuras. Essa é a responsabilidade da minha geração e um dia será da vossa. Pode parecer que a paz é o estado natural das coisas, mas sem defesas, os povos ficam vulneráveis a ataques cobardes. Em quinto lugar, saber desmascarar regimes e seitas que usam religião como escudo para avançarem a sua própria agenda. Os líderes islâmicos assim como de outras religiões condenaram os ataques e empenharam-se na reconstrução que se seguiu. Em sexto lugar, os americanos e os cidadãos do mundo ocidental em geral mostraram que atos terroristas não os assustam e não os demovem dos seus valores. Nos primeiros anos a seguir a 2001 estiveram muito unidos no seu propósito de combater o terrorismo, apesar de ataques adicionais em Londres e Madrid. Por último, e talvez mais importante, o reconhecimento que estas crises nos tornam mais fortes. Lembram-nos da resiliência do sistema. Trazem ao de cima a bondade e espírito de comunidade. Por exemplo, americanos de muitos (todos?) estados, convergiram nesses dias em NYC para ajudar com a reconstrução e alívio. Oferecendo o seu trabalho, comida, ou mesmo um ombro onde chorar. Amigos de outros países disseram presente também. As cicatrizes sararam. A cidade e a nação viram confirmadas a confiança que sempre tiveram no futuro.

Por muito que eu não queira, há uma alta probabilidade que um novo desafio da dimensão do 11 de Setembro aconteça durante a vossa vida. Nessa tragédia, lembrem-se bem do que eu e outros aprendemos com o 11 de Setembro. Digam presente na ajuda ao próximo e à comunidade. Mantenham-se intransigentes nos vossos valores de amor ao bem absoluto e ao próximo. E nunca percam a esperança de que no futuro vão emergir ainda mais fortes. Foi assim em 11 de Setembro de 2001…