1. Estas eleições autárquicas têm tido de tudo um pouco, entre o burlesco de algumas personagens, a ousadia de certos cartazes e, sobretudo, a demagogia e populismos de toda a índole. Independentemente de quem ganhar estas eleições, em particular, certas Câmaras, há uma conclusão que me parece óbvia: a nível nacional, estamos paulatinamente a caminhar para um socialismo popular, tamanha a influência no Governo da ala esquerda do PS, coadjuvada pelo PCP e Bloco.
Vamos deixar assentar a espuma das eleições, os resultados da noite eleitoral, as celebrações de vitória e as justificações de derrotas (se é que alguém vai assumir derrotas…). Destas eleições sobram, entre a manifesta impotência da oposição sem líderes carismáticos, os discursos cada vez mais esquerdistas de Costa, as intervenções dos membros do Governo nas campanhas dos candidatos locais do PS e, em particular, a digressão de Pedro Nuno Santos a calcorrear o país, preparando milimetricamente a sucessão a Costa.
Costa teve o clímax com o discurso em Matosinhos. Esquecendo e contrariando tudo o que disse em maio passado enquanto primeiro-ministro quando elogiou a decisão da Galp, sobretudo pelas consequências ambientais, teceu o ataque mais descabelado que me recordo ter sido feito a uma empresa privada, cotada em Bolsa, detida essencialmente por fundos internacionais e pela família Amorim (além de 7% do Estado).
Embalado pelas circunstâncias locais, num momento de enorme eloquência, referiu, por exemplo: «Era difícil de imaginar tanto disparate, tantas asneiras, insensibilidade e falta de solidariedade, como aquela que a Galp deu prova aqui em Matosinhos». Mas não se ficou por aqui e concretizou com uma ameaça ao estilo de Chávez/Maduro: «Quem se porta assim tem de levar uma lição!». Pessoalmente, não tenho qualquer dúvida de que este ataque proferido à Galp, ficará como marca indelével da sua atuação como primeiro-ministro e estas palavras serão recordadas por muitos anos.
Os media, as redes sociais, os trabalhadores da Galp que na altura não sentiram qualquer apoio do Governo, toda a oposição e o próprio PS ficaram atónitos, expectáveis sobre o que seria ‘a lição exemplar’. Logo cada um tratou de interpretar à sua maneira, consoante os desejos políticos ou pessoais. Em particular, os trabalhadores e a esquerda, de imediato, imaginaram a nacionalização da refinaria e a reintegração dos trabalhadores.
Estas declarações tiveram de tal maneira um impacto negativo que Costa se sentiu impelido a escrever um artigo no Público, no seu entender esclarecedor do que crê ser a lição prometida, ou seja em «usar o Fundo para a Transição Justa e aplicar as leis para proteção dos trabalhadores». Complementou esta ideia, ainda, com um recado à candidata do PS (Luísa Salgueiro) como se já estivesse reconduzida como presidente: «Para o município condicionar as opções futuras do local para bem do progresso da região».
Fiquei mais confuso, expectante que alguém me explique como é que a utilização de um Fundo Europeu que visa apoiar os territórios mais afetados pela transição para uma economia com impacto neutro no clima, bem como para prevenir o aumento das disparidades regionais, executado em regime de gestão partilhada, o que significa uma cooperação estreita com as autoridades nacionais, regionais e locais, será uma lição para a Galp. Pelo meio, dou de barato que o município seria sempre chamado para ser ouvido nas opções futuras do local, até por causa das contaminações do solo que Costa também referiu.
Entretanto, lá pelo AICEP, se as campainhas não tocaram é porque tudo anda a reboque do Governo. Quaisquer eventuais interessados em investir em Portugal, ficaram com a certeza de que temos um Governo marcadamente socialista, que não tem pejo em ameaçar empresas que estão no mercado ou até em cercear margens de distribuidores (como sucedeu nos combustíveis em que existem fundamentados receios de falência de pequenos retalhistas). Num cenário destes, acham mesmo que um qualquer investidor internacional de referência vai considerar Portugal para investir?
2. A política deve ser feita de autenticidade e de paixão. Como vimos ao longo destas semanas, o que sobrou em paixão (em todos os partidos) faltou em autenticidade, com demasiada poeira a confundir as pessoas, com excessivas promessas a garantir que «agora é que vai ser» (como maternidades e ferrovias, tudo financiado pelo PRR).
Não faltaram debates, mas faltou audiência aos mesmos. Pode ser que me engane, mas há cada vez uma maior desilusão pela política e pelos políticos. Os jornalistas fizeram o seu trabalho, mas não se sente grande adesão popular às arruadas, aos jantares e comícios, onde vão os arregimentados por obrigação militante. Fez-me particular confusão ver alguns líderes partidários passearem como quase desconhecidos por feiras e mercados, sinal de que não há reconhecimento popular, não há identificação por ideais e cada vez mais as pessoas estão desligadas, num ‘deixa andar’ como se a política não fosse afinal o somatório das ideias e escolhas individuais.
Relembro alguns líderes como Soares, Cunhal, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Alberto João, Portas ou Cavaco Silva que deixaram marcas, que interagiam e galvanizavam. Ou Santana Lopes que vai ganhar a Figueira, exatamente com base nesse carisma popular. Hoje estamos assim, num generalizado deserto de referências nacionais, sobretudo entre a oposição incapaz de encontrar o passo certo para enfrentar Costa, pelo que não surpreende quer a ascendência esquerdista no Governo quer o nível da abstenção nas eleições (45% nas autárquicas de 2017 e 51% nas legislativas de 2019).