Nunca percebi por que razão António Costa sempre disse que só negociaria os Orçamentos com a esquerda.
Mais: que, se precisasse do PSD para aprovar um Orçamento, demitir-se-ia no momento seguinte.
Torna-se evidente que, com essa atitude, perdeu margem negocial.
Ao dizer que só negociaria com a esquerda, tornou-se refém do BE e do BCP.
Os quais, como era previsível, vão de ano para ano fazendo mais exigências para viabilizarem os Orçamentos do Estado.
Para 2022, a extrema-esquerda exige medidas que acarretarão um aumento enorme da despesa pública e pede uma revisão significativa das leis laborais.
Estas resultaram, como se sabe, de uma imposição da troika, mas provaram a sua eficácia, contribuindo decisivamente para a redução do desemprego.
Não foi por acaso que António Costa e Mário Centeno, tendo feito imensas reversões, sempre resistiram a mexer nessas leis.
Quanto mais rígido for o mercado laboral, mais os empregadores fugirão a admitir trabalhadores.
Quanto mais difícil for despedir um empregado, mais os empresários evitarão fazer contratações.
Será sempre assim; mas por maioria de razão numa altura incerta, em que muitas empresas não sabem como será o futuro.
Ninguém quer assumir compromissos rígidos, difíceis de alterar se a situação se complicar.
A modificação das leis laborais é uma daquelas medidas que, parecendo favorecer os trabalhadores, na verdade se voltam contra eles.
Protege os que têm emprego, mas dificulta muito a vida aos jovens, aos desempregados e aos que caem no desemprego.
Relativamente ao aumento da despesa pública, não é preciso gastar muita prosa para demonstrar que é um erro e uma imoralidade.
Aumento da despesa significará aumento do défice e, consequentemente, aumento da dívida.
Ora, a nossa dívida já é colossal, pelo que o caminho tem de ser exatamente o oposto: encolher a despesa e reduzir a dívida.
Esta geração não tem o direito de sobrecarregar com mais encargos as gerações seguintes.
A bola de neve da dívida pública tem de parar de rolar.
Compreende-se que a esquerda queira distribuir o máximo de rendimentos possível para poder dizer que luta pela melhoria das condições de vida do povo.
Só que dar mais às pessoas hoje significa comprometer o futuro das pessoas amanhã.
Não podemos continuar neste caminho.
No estado em que nos encontramos, António Costa tem duas hipóteses: aceitar as exigências dos comunistas ou dos bloquistas, que enterrarão o país ainda mais, ou deixar a corda partir-se e ir para eleições.
Ora, debatendo-se o PSD e o CDS com crises internas, Costa pode ser tentado a provocar eleições em vez de deixar arrastar uma situação pantanosa em que o PS se arrisca a ir sempre perdendo votos até 2023.
Mesmo com a ‘bazuca’, esta fórmula política está gasta e António Costa pode pensar que terá vantagem em antecipar as eleições.
Mas isto é em teoria.
Na prática, o que é que umas eleições legislativas poderão trazer de novo?
O PS perderá alguns votos, como aconteceu nas autárquicas, o PSD ganhará alguns votos, o PCP e o BE cairão mais, o CDS ficará na mesma ou pior e o Chega crescerá muito.
Ora, que vantagens terá este quadro político em relação ao atual?
Continuará a não haver maioria absoluta, o PS permanecerá refém da esquerda (sem possibilidade de reeditar a ‘geringonça’, pois a queda do Governo resultaria precisamente de uma rutura com o PCP e o BE), e a direita reforçará um pouco a sua posição.
Não vejo, pois, que o PS tenha alguma vantagem na antecipação das eleições.
Assim, o mais provável é que vá ceder às exigências de Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa, fingindo que não cede muito.
Em qualquer caso, o país perderá sempre. Perderá nos dois cenários.
Perderá com a crise política e a realização de eleições, pois todas as crises têm custos, além de que a entrada em ação da ‘bazuca’ ficará adiada.
E perderá com um acordo à esquerda, pois o que já está mal – aumento da dívida, mercado laboral, etc. – ficará ainda pior.
Como tenho reiteradamente escrito, a nossa crise continuará inexoravelmente a aprofundar-se enquanto não se der um choque, uma rutura, que mude por completo o quadro político e liberte o país da extrema-esquerda.
Enquanto isso não acontecer, continuaremos a empobrecer.
Portugal teve o azar de, por razões conjunturais, ter um primeiro-ministro que se colocou totalmente nas mãos do PCP e do BE e se tornou cativo das suas reivindicações.
E enquanto essa situação persistir, não haverá solução para o país – por muito que António Costa se sente à mesa das negociações com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa.
Há nesta fórmula política um pecado original inultrapassável.
Repare-se que em todos os países onde a extrema-esquerda (leninistas e trotskistas) condicionou decisivamente a ação do poder não houve progresso.
Houve retrocesso.
Que mais será necessário demonstrar?