Na quarta-feira, com o chumbo do Orçamento pelos partidos da extrema-esquerda, ruiu o castelo de areia que António Costa tinha construído em 2015 para assumir o poder.
No debate parlamentar, Costa declarou-se «frustrado» e «culpado» pelo descalabro.
Até porque reconheceu que nunca tinha feito tantas cedências à esquerda como neste Orçamento.
Nessa medida, o chumbo do BE e do PCP afetou-o duplamente.
A extrema-esquerda bateu-lhe com a porta na cara.
E, como ele próprio também disse, abriu caminho ao regresso ao poder da direita que, há seis anos, os mesmos partidos se tinham unido para derrubar.
Tal como António Costa, não compreendo a posição do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista neste processo.
Quem deita abaixo uma conjuntura política pensa naturalmente que, na próxima, melhorará a sua situação.
Ora, o PCP e o BE terão uma posição melhor na próxima legislatura do que nesta?
Terão mais deputados? Terão mais força reivindicativa? Terão mais acesso ao poder?
Tudo aponta em sentido contrário.
O Partido Comunista e o Bloco já teriam tendência para perder votos em relação a 2019, como as autárquicas indiciaram; mas o facto de terem deitado abaixo o Governo vai penalizá-los ainda mais.
Aquelas pessoas que já se viam com uns aumentozinhos nas pensões ou no salário mínimo, as famílias que já sonhavam com as creches gratuitas, ficaram naturalmente furiosas com o chumbo do OE.
Na prática, o PCP e o BE inviabilizaram medidas que melhoravam a vida de muita gente.
E inviabilizaram-nas em troca de quê?
Alguns benefícios que já estavam adquiridos foram deitados fora com que vantagem?
Ninguém percebeu.
Passemos ao PS. Paulo Pedroso escreveu que António Costa ou consegue a maioria absoluta ou terá de entregar o Governo a Pedro Nuno Santos para fazer um novo acordo à esquerda.
Veja-se como já estão as coisas no campo socialista…
Ora, o PS vai ter quase com certeza um resultado pior do que em 2019 – e não é impossível que perca as eleições.
As autárquicas já mostraram uma viragem.
E, tendo fracassado uma solução governativa de esquerda, o natural é o eleitorado voltar-se para o outro lado – para a direita.
Tem sido sempre assim.
António Guterres esteve seis anos no poder e sucedeu-lhe Durão Barroso.
José Sócrates esteve seis anos no poder e sucedeu-lhe Passos Coelho.
O natural é que a António Costa, que cai ao fim de seis anos no poder, suceda Rui Rio ou Paulo Rangel.
Muito dificilmente António Costa sucederá a António Costa.
E o cenário avançado por Pedroso é inverosímil: se Costa ganhar as eleições com maioria relativa, faz algum sentido que entregue o poder a Pedro Nuno Santos para fazer uma nova ‘geringonça’?
A única experiência de um primeiro-ministro não legitimado em eleições não correu nada bem.
A partir de agora, vai iniciar-se uma dinâmica nova, que tende a potenciar a viragem verificada nas autárquicas.
O atraso do PSD nas sondagens não é, neste quadro, muito relevante – veja-se o que aconteceu em Lisboa com Carlos Moedas.
Tudo pode mudar muito rapidamente.
O grande problema é que o PSD está em tempo de clarificação interna, e não seria naturalmente este o momento mais favorável para ir a votos.
E o mesmo sucede com o CDS.
Tendo isto em conta, as forças mais bem colocadas para disputar agora eleições são o Chega e a IL – os dois partidos de direita que têm vindo a crescer e não apresentam problemas de liderança.
Mas se isto se verificar, o país arrisca-se a ficar ingovernável.
Com a esquerda a afundar-se, e com os dois partidos históricos da direita – PSD e CDS – em reestruturação, vai ser muito difícil haver uma alternativa sólida de Governo.
Até porque o Chega, que pode chegar aos 10%, é marginalizado por todos e dificilmente entrará nas contas do poder.
Tudo isto ainda torna mais estranho o chumbo do OE pela extrema-esquerda.
Será que, em queda livre, ela aposta num cenário de ingovernabilidade, de caos político, onde possa recuperar alguma da sua influência antiga?
Aposta num cenário em que eles próprios poderão refazer os seus equilíbrios internos?
A verdade é que um provável mau resultado do PCP e do BE nas próximas eleições porá inevitavelmente em causa as lideranças de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins.
E os dois partidos poderão então reinventar-se.