Rio ou Rangel?

Rui Rio andou três anos e meio a pregar no deserto, a levar pancada de toda a gente, e quando conseguiu dar a volta à situação e o PSD passou a ver a luz ao fundo do túnel, Rangel apareceu a disputar-lhe o lugar.

Ainda há um ano, Paulo Rangel defendia Rui Rio e dizia que devia ser ele a disputar as próximas eleições legislativas como líder do PSD.

Por que mudou de opinião?

Porque as autárquicas deram – inesperadamente – um sinal de mudança, e o PSD passou a ter hipóteses de ganhar as eleições.

Dito de outro modo: quando a perspetiva era perder, Rangel achava que Rui Rio estava muito bem no lugar; mas quando surgiu a possibilidade de o PSD ganhar, Rangel passou a querer ser ele a liderar o partido.

A isto chama-se oportunismo.

Faz lembrar o que fez António Costa a António José Seguro quando começou a cheirar a poder.

Além de oportunista, a atitude de Paulo Rangel tem algo de imoral.

Rui Rio andou três anos e meio a pregar no deserto, a levar pancada de toda a gente, e quando conseguiu dar a volta à situação e o PSD passou a ver a luz ao fundo do túnel, Rangel apareceu a disputar-lhe o lugar.

Rui Rio roeu os ossos, Rangel quer comer a carne.

Quer aproveitar em proveito próprio o caminho desbravado por Rui Rio contra tudo e contra todos – inclusive contra muita gente do seu próprio partido.

Ora, isso não está certo.

Mas estas são considerações morais, que em política hoje pouco valem.

Para muita gente, a questão que se coloca é outra: qual dos dois será mais capaz de levar o PSD ao Governo? 

Sobre isto não tenho certezas absolutas.

Sendo mais ‘atrevido’, Paulo Rangel pode fazer uma campanha eleitoral mais agressiva, mais contundente.

Mas Rio já traz embalagem, tem vindo a ganhar terreno, e esse é um importante trunfo.

Muitos portugueses já se habituaram à ideia de que pode ser ele o próximo primeiro-ministro – e mudá-lo agora baralharia todas as contas.

Tudo voltaria à estaca zero.

Assim, arrisco dizer que, para o PSD, será mais seguro manter Rui Rio do que substituí-lo por Paulo Rangel.

Até por uma razão nada despicienda: Rio conquistará mais votos ao centro, que é onde se vencem as eleições. 

Muitos eleitores hesitantes entre votar PS ou PSD, poderão votar em Rui Rio mas nunca votarão em Rangel.

É claro que, pela mesma razão, Rio poderá perder votos à direita para o Chega e a Iniciativa Liberal.

Mas julgo que o balanço será largamente positivo.

Sobra uma última questão: e qual dos dois poderá ser melhor primeiro-ministro?

Esta questão é agora decisiva. 

Se fosse há três anos, o PSD estava a escolher um líder para fazer oposição; nesta altura, vai escolher-se o eventual próximo chefe do Governo.

E as características que se exigem para as duas funções são substancialmente diferentes.

O PSD, aliás, sabe muito bem o que isso é. 

Cavaco Silva nunca fez oposição mas revelou-se um primeiro-ministro imbatível, permanecendo no poder 10 anos e conquistando duas maiorias absolutas (com mais de 50% dos votos).

Passos Coelho mostrou características de estadista, não cedendo à esquerda e cumprindo basicamente o memorando acordado por José Sócrates com a troika, mas depois de sair do Governo foi um mau líder da oposição.

Ora, Rui Rio estará nesta linha: não tendo sido um bom líder da oposição, pode ser um bom primeiro-ministro.

De certa maneira, podemos dizer que os papéis no PSD deviam ter sido trocados: Rangel deveria ter sido o líder do partido nestes últimos anos, e Rio estava mais vocacionado para ser o candidato à chefia do Governo.

Rui Rio foi um mau líder da oposição muitas vezes por pudor, ou seja, por recusar a demagogia, por ‘excesso de honestidade’, por não querer fazer certas críticas ao Governo dado saber que, se estivesse no poder, não poderia fazer diferente ou melhor.

Não se aproveitou da pandemia, pelo contrário: durante estes últimos anos, esteve sempre do lado da solução e não do problema no que respeita à saúde.

Os defeitos de Rui Rio como líder da oposição serão qualidades como governante. 

A imagem de seriedade que projeta é bem necessária numa época em que Portugal precisa de primeiros-ministros em quem as pessoas confiem.

Não faz promessas em vão.

E tem experiência de administração pública: esteve ao longo de 11 anos à frente da Câmara do Porto, enquanto Rangel não tem qualquer tarimba nesse campo.

Tudo somado – por razões morais, pela experiência de gestão, pela dinâmica que está criada, pela conquista de votos ao centro, pela seriedade, pelo perfil de Estado – julgo que o PSD terá vantagem em manter Rui Rio, em prejuízo de Paulo Rangel.

Se fosse há um ano, quando tudo parecia correr de feição a António Costa e se tratava de desgastar o Governo, um líder com as características de Rangel faria sentido.

Agora, em vésperas de eleições, quando se trata de escolher um eventual futuro primeiro-ministro, faz claramente mais sentido apostar em Rio. 

P.S. – Rui Rio e Rodrigues dos Santos têm sido muito atacados por não quererem dar oportunidade aos seus adversários de lhes disputarem os lugares. Mas serão eles que estarão mal – ou Paulo Rangel e Nuno Melo que, perante a perspetiva de legislativas antecipadas, deveriam ter-se abstido de avançar já para não criarem problemas aos seus partidos? Serão Rio e Rodrigues dos Santos que estão ‘agarrados ao poder’ ou Rangel e Melo que estão ‘sôfregos de poder’?