Menina de 10 anos agredida em escola no Cacém. “A minha filha não pode chegar assim a casa e ninguém fazer nada”

“Que impacto vai ter isto no futuro dela? Hoje foi um tabefe e amanhã é o quê?”, pergunta Joana Rodrigues. 

Depois de Luís Santiago, de 12 anos, ter sido agredido por dois colegas no Agrupamento de Escolas Madeira Torres, em Torres Vedras, e ter sido hospitalizado, um caso semelhante surgiu na Escola Básica e Secundária de Gama Barros, no Cacém, na passada quinta-feira. Ana (nome fictício), a filha de 10 anos de Joana Rodrigues, frequenta o 5.º ano de escolaridade, tem consultas de Neuropsiquiatria e Psicologia e tenta lutar contra as dificuldades de aprendizagem. No entanto, a menina sofre de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) "e, infelizmente, tem uma péssima autoestima, muita dificuldade em ser socialmente aceite no sentido em que faz tudo para agradar aos outros", sendo "muito boazinha, um amor de miúda, só que, lá está, gozam com ela, dizem que é burra porque não acerta nas coisas, etc.".

A mãe, em declarações ao Nascer do SOL, confessa que Ana "é muito infantil e não tem aquela estaleca dos outros miúdos para enfrentar o bullying", estando ciente de que esta não lhe contou "verdadeiramente aquilo que aconteceu". A narrativa da criança é a seguinte: esteve com a mão muito tempo na cara. Como Joana não acreditou na sua justificação, contactou a diretora de turma – igualmente professora de Matemática – que depressa concordou que "a miúda é incapaz de estar sentada tanto tempo para ficar tão marcada". O problema é que Ana teve mais duas aulas depois da professora a ter visto alegadamente sem nenhuma marca no rosto. "Depois de insistir muito, disse-me que tinha sido um colega. Desentenderam-se, ele empurrou-a e ela deu-lhe um estalo na cara. E há uma menina que testemunhou tudo, mas a minha filha não sabe o nome dela", confessa, condenando a docente anteriormente referida por não ter ido à procura desta aluna nem ter feito perguntas às professoras das disciplinas – Educação Musical e Inglês – que Ana teve naquele dia.

"Se as professoras viram que ela tinha a cara assim e não fizeram nada, isso para mim foi negligência. O miúdo que a agrediu é da turma dela. A diretora de turma falou com ele e negou, disse 'Não fui eu, não lhe fiz nada'. Tem de se fazer alguma coisa, até porque a professora diz que falou com a Ana e ela desculpou o colega porque o empurrou para se defender. Mas isto é típico da minha filha", frisa, acrescentando que a menina está com o pai somente de duas em duas semanas. "Não é um pai presente. Quando lhe disse que estava a pensar em fazer queixa na escola, até respondeu 'Vê lá se não arranjas problemas'", afirma a mulher que acredita que o menino que agrediu a filha a possa ter ameaçado ou ela esteja em silêncio por se sentir suficientemente "ostracizada".

"Ela quer enturmar-se e acaba por ir deixando que a pisem. Agora, não toca no assunto. E já tinha sido agredida por este menino, pelo menos, duas vezes. Ele é mais velho um ou dois anos. Quando os outros episódios se registaram, apenas falaram com ele como agora. Ele nega tudo desde sempre", declara Joana, assumindo que duvida totalmente daquilo que o rapaz diz. "Para não assistir às aulas online durante a pandemia, dizia que a mãe precisava do computador. Se a mãe não tivesse sabido, ele tinha chumbado por faltas. Ele já é mentiroso e, neste caso em específico, a escola está a dar-lhe mais poder e a protegê-lo mais do que à minha filha. A palavra dela não vale nada", lamenta, explicando, entre lágrimas, que está a ponderar inscrever a menina noutra instituição de ensino porque não consegue "mantê-la ali sabendo que ninguém a vai proteger". Mas a suposta irresponsabilidade da escola não a surpreende, pois, a título de exemplo, Ana não tem autorização para sair sozinha do recinto e, num dia em que não teve uma aula, a auxiliar que estava no portão permitiu que saísse. "Foi para um parque e cruzei-me com ela na estrada porque tinha ido fazer um exame médico. Apenas por acaso".

No dia seguinte ao das agressões, isto é, na sexta-feira, a criança foi à escola, "mas houve greve e, portanto, veio mais cedo para casa". Como "não exterioriza quase nada e segue em frente, tentando sempre culpabilizar-se", Joana não sabe se Ana foi alvo de outros atos de violência nos últimos tempos. "Acho que ela não quer ir para a escola. Não o verbaliza, mas diz 'Eu não gosto da escola, não quero ir. Estou farta', mas penso que é o resultado desta situação aliada a todas as outras coisas que não têm corrido bem", denuncia. "Amanhã vou à escola para perceber se estão a fazer alguma coisa. A minha filha não pode chegar assim a casa e ninguém fazer nada. Eu sei que, naquela escola, há um menino que foi para o hospital por ter sido agredido. Ele saiu de lá de ambulância. Isto está a ganhar proporções drásticas. Não é só no momento, fica para o futuro. Que impacto vai ter isto no futuro dela? Hoje foi um tabefe e amanhã é o quê?", pergunta, alinhando-se com Francisca de Magalhães Barros. "Foi um caso tremendo que me chegou às mãos e que nos faz questionar se os nossos filhos estão seguros nas escolas", diz, com convicção, a ativista de direitos humanos, esperando que seja feita justiça por Ana, Luís Santiago e outros meninos que vítimas de bullying.